Inventado em 1965, por Mick Jagger e Keith Richards o tema "(I Can't Get No) Satisfaction" nunca mais deixou de incendiar os apetites adolescentes das várias gerações que entretanto foram paridas.
É um super clássico do Rock'n Roll e com toda a justiça, porque tem os ingredientes todos: rebeldia sem causa, sexo, poesia e uns riffs de cair para o lado.
Uns bons 20 anos depois da sua composição, um grupelho de extravagantes robots popularmente conhecidos por D.E.V.O. ("Q: Are we not men? A: We are D.E.V.O.") decidiu revisitar o grande êxito dos Rolling Stones, eliminando quase por completo o trabalho de Richards e sobrepondo-lhe uma linha de percussão minimal e repetitiva que é de génio a valer. A coisa também se torna interessante porque o andróide vocalista parece ter sido ligado à corrente eléctrica.
É com os D.E.V.O., e com o imortal assunto da insatisfação humana, que me despeço até para o ano. Shake a leg!
segunda-feira, dezembro 29, 2008
sábado, dezembro 27, 2008
Uma ponte sobre a discórdia.
Este é um dos mais belos romances que li na vida e li-o este ano. A personagem central é uma ponte. Uma ponte fronteira e uma ponte união, uma ponte que separa impérios e que congrega religiões. Uma ponte sobre o rio e sobre o tempo e sobre o ódios dos homens. Um ponte que encerra fantasmas e grita por vinganças. Uma ponte que chora e que se desmorona. Uma ponte que é um alvo e uma conquista, que traz o aviso de perigos e a promessa de reforços. Agora otomana e depois austro-húngara, um dia bósnia e sérvia na manhã seguinte, fiel pelos séculos e herege de repente, sacrossanta e comunista, é uma ponte que faz trânsito para a redenção ou que conduz ao inferno, que salva e condena mas, sobretudo, é uma ponte que existe. Que é concreta. Que não é uma metáfora.
Quando terminei a leitura desta obra-prima do Nóbel Ivo Andric, pensava que o raio da ponte era uma metáfora e fiquei-me com essa. Dei provas, por isso, de ignorância e preguiça mental. O meu amigo Nuno Silva, que teve a inspiração de me oferecer o livro, foi pelo contrário mais inteligente e mais curioso e descobriu que a ponte existia mesmo, como sempre tinha desconfiado.
Mandada levantar no Século XVI pelo vizir Mehmed Pasha Sokolović, foi desenhada por Mimar Koca Sinan, um dos mais célebres arquitectos do Império Otomano e é um clássico da sua época, atravessando com rara elegância as águas temperamentais do Rio Drina. Os seus 11 harmoniosos arcos servem ainda hoje a cidade de Višegrad, no Leste da Bósnia e Herzegovina.
A Ponte Mehmed Pasha Sokolović sobreviveu a quatrocentos invernos e resistiu à queda de dois impérios só para ter que suportar o insuportável século XX: sofreu na sua pele de pedra os ferimentos das duas grandes guerras e foi palco para chacinas no conflito dos Balcãs. A Ponte está ali, ainda. Testemunha de crimes e cúmplice de revoluções. Está viva, mostra as suas cicatrizes mas eleva-se inteira, artéria maior no coração de um continente exausto.
terça-feira, dezembro 23, 2008
Algumas lúcidas palavras do falecido senhor George Carlin
Sempre tive grandes divergências com o universo ideológico de George Carlin, mas estou 100% de acordo com o seguinte:
REMIXVILLE | Track#4
Ainda na companhia dos Radiohead, deixo-vos como presente de Natal uma versão-latina-américa de High and Dry, interpretada por uns senhores chamados El Lele De Los Van Van e retirada do muito agradável álbum "Rythms Del Mundo", projecto que apresenta surpreendentes revisões latinas de alguns dos mais brilhantes êxitos da história pop/rock recente. Uma verdadeira pérola, até na tradução para o castelhano. Feliz Navidad!
domingo, dezembro 21, 2008
sexta-feira, dezembro 19, 2008
Sapateado ou o mundo ao contrário.
Há algo de irreal nisto: o parlamento iraquiano existe porque os americanos chegaram lá e impuseram um. Neste parlamento, hoje, quase aconteceu porrada porque foi sujeita ao debate uma moção que condenava o sapato voador à heresia e o seu esquizofrénico dono à prisão. O partidinho Xiita que está ali porque os americanos decidiram deixá-lo estar, escandalizou-se todo. E desbroncou a insigne assembleia com impropérios e ameaças de Alá da mais variada nomenclatura.
Há algo de irreal nisto: o presidente eleito de um país livre, de um país que anda há um século a desenrascar o restante mundo livre, é alvo de uma sandália alada e bárbara e a malta acha piada à sandália e ao infeliz que a descalçou. Se outro infeliz qualquer, numa conferência de imprensa em Moscovo, Caracas, Havana, Pyongyang, Pequim, Teerão ou Islamabad, tivesse semelhantes tomates, estes seriam rapidamente guilhotinados para satisfação dos bárbaros e dos civilizados, numa alegre e nojenta unanimidade.
Há algo de irreal nisto. Nisto de sermos irresponsavelmente civilizados. É verdade que a bota que trago calçada faria melhor figura se quase atingisse, neste preciso momento, o trombil manhoso de Osama Bin Laden ou de um outro qualquer filho da puta de análogo genoma. Não porque, como W, tivesse o alvo a esperta destreza para se esquivar ao disparo, mas por minha desastrada pontaria. Não porque fosse pobre de justiça a bota certeira na boca do pirata, mas porque me ensinaram o pudor.
Maomé inspirou este projéctil fedorento. Cristo, por exemplo, preferiria colocar-se a meio da trajectória.
Há algo de irreal nisto: o presidente eleito de um país livre, de um país que anda há um século a desenrascar o restante mundo livre, é alvo de uma sandália alada e bárbara e a malta acha piada à sandália e ao infeliz que a descalçou. Se outro infeliz qualquer, numa conferência de imprensa em Moscovo, Caracas, Havana, Pyongyang, Pequim, Teerão ou Islamabad, tivesse semelhantes tomates, estes seriam rapidamente guilhotinados para satisfação dos bárbaros e dos civilizados, numa alegre e nojenta unanimidade.
Há algo de irreal nisto. Nisto de sermos irresponsavelmente civilizados. É verdade que a bota que trago calçada faria melhor figura se quase atingisse, neste preciso momento, o trombil manhoso de Osama Bin Laden ou de um outro qualquer filho da puta de análogo genoma. Não porque, como W, tivesse o alvo a esperta destreza para se esquivar ao disparo, mas por minha desastrada pontaria. Não porque fosse pobre de justiça a bota certeira na boca do pirata, mas porque me ensinaram o pudor.
Maomé inspirou este projéctil fedorento. Cristo, por exemplo, preferiria colocar-se a meio da trajectória.
quinta-feira, dezembro 18, 2008
REMIXVILLE | Track#2/3 - Adenda
Com a contribuição do meu amigalhaço Carlos Rafael, segue a versão de Creep, segundo Brandi.
quarta-feira, dezembro 17, 2008
REMIXVILLE | Track#2/3
Esta versão maravilha do célebre tema dos Radiohead, encontra-se dentro de um não menos celestial disquinho chamado "Anyone Can Play Radiohed" e mata-me deveras. Aleister Einstein impõe com brilhantismo um ambiente sofisticado a um original que sempre foi bastante cru, num trabalho interessante até sob o ponto de vista da sonoplastia. Ora oiçam:
Entretanto lembrei-me que tinha para aqui uma espécie de EP dos Radiohead ("My Iron Lung" de 1994) em que a banda decide oferecer à gentil plateia um versão acústica de Creep. Ainda mais crua e talvez com o melhor registo vocal da vida artística de Thom Yorke, o que não é dizer pouco. Senhoras e senhores, segue-se um arrepio na espinha.
Entretanto lembrei-me que tinha para aqui uma espécie de EP dos Radiohead ("My Iron Lung" de 1994) em que a banda decide oferecer à gentil plateia um versão acústica de Creep. Ainda mais crua e talvez com o melhor registo vocal da vida artística de Thom Yorke, o que não é dizer pouco. Senhoras e senhores, segue-se um arrepio na espinha.
terça-feira, dezembro 16, 2008
segunda-feira, dezembro 15, 2008
REMIXVILLE | Track#1
Já aqui escrevi sobre a minha Teoria do 1. Queria demonstrar na altura - como agora - que a perfeição artística não tem plural. Em certo sentido - o estético - podemos dizer que o produto do génio humano é de natureza igualitária. E que o caminho para este específico nirvana é o da repetição. O conceito de repetição como caminho para a perfeição agrada-me. Sou por isso um maluco das versões, dos covers e dos remixes todos: na literatura, nas artes plásticas, no cinema, no teatro e, claro, na música. Nesta longa série de covers que começo hoje a postar, está implícita uma epopeia da diversidade - é certo - mas sempre sobre um mesmo tema. Está em jogo a devida reverência perante o que é absolutamente glorioso. E a tentativa de subir a fasquia.
Acho, por exemplo, muito louvável para a comunidade académica que os Sex Pistols se tenham decidido, numa noite de abuso do cavalo, a apresentar ao mundo a sua versão da versão que Frank Sinatra teve, a dado momento, da sua vida. A interpretação é satírica mas, para mim, não é a sátira que vale. É o objecto que revive nela. Ele próprio um repetidor de outros enormes génios, ele mesmo génio por si mesmo, Sinatra vai assinar a fechadura desta rúbrica, daqui a uns meses valentes (segundo espero). E se as pistolinhas do sexo valeram por alguma coisa, na sua infame existência, foi só por causa desta boa ideia que tiveram: I did it, in a punk way.
Acho, por exemplo, muito louvável para a comunidade académica que os Sex Pistols se tenham decidido, numa noite de abuso do cavalo, a apresentar ao mundo a sua versão da versão que Frank Sinatra teve, a dado momento, da sua vida. A interpretação é satírica mas, para mim, não é a sátira que vale. É o objecto que revive nela. Ele próprio um repetidor de outros enormes génios, ele mesmo génio por si mesmo, Sinatra vai assinar a fechadura desta rúbrica, daqui a uns meses valentes (segundo espero). E se as pistolinhas do sexo valeram por alguma coisa, na sua infame existência, foi só por causa desta boa ideia que tiveram: I did it, in a punk way.
sexta-feira, dezembro 12, 2008
Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa
Ando sempre com um poema na cabeça.
É antes das palavras que o verso começa
fetal e ancião cá dentro da cachimónia.
Geralmente é qualquer coisa do Álvaro de Campos
com a caligrafia do Rimbaud, e é sem parcimónia
que roubo ao Whitmann o papel de carta.
Ao Almada vou buscar a fúria farta
e as rimas já foram todas alinhadas pelo Ary.
Acho que eles não se importam, nem levam a peito
e a mim dá-me imenso jeito.
Ando sempre com um poema na cabeça.
Um plágio fugaz que agarro antes que pereça
nos intestinos da história.
Pode ser uma Ode Olímpica sacada ao Píndaro,
uma cantiga piratada ao Dinis de boa memória,
uma elegia de Calímico, que é minha por osmose,
ou do Ovídio uma ou outra metamorfose.
Tudo o que será escrito já foi escrito um dia
e ladrão que rouba a ladrão está perdoado.
A poesia não é o pecado.
Ando sempre com um poema na cabeça.
Não sou bem o autor mas antes que desapareça
despejo-o no blog e assino por cima.
Que diria o Cesário se navegasse até aqui
só para descobrir uns versos com o seu enzima?
Mas, como toda a literatura é imitação
desde que Homero inventou a redacção,
acho que nem Borges me condenaria a rapina.
Este escrito por exemplo, não é meu:
o Cesariny concerteza que já o escreveu.
Ando sempre, sempre com um poema na tola.
Como um mendigo que rouba para não ter que pedir esmola
faço o corso sem musas na proa.
E geralmente é qualquer coisa do Pessoa.
É antes das palavras que o verso começa
fetal e ancião cá dentro da cachimónia.
Geralmente é qualquer coisa do Álvaro de Campos
com a caligrafia do Rimbaud, e é sem parcimónia
que roubo ao Whitmann o papel de carta.
Ao Almada vou buscar a fúria farta
e as rimas já foram todas alinhadas pelo Ary.
Acho que eles não se importam, nem levam a peito
e a mim dá-me imenso jeito.
Ando sempre com um poema na cabeça.
Um plágio fugaz que agarro antes que pereça
nos intestinos da história.
Pode ser uma Ode Olímpica sacada ao Píndaro,
uma cantiga piratada ao Dinis de boa memória,
uma elegia de Calímico, que é minha por osmose,
ou do Ovídio uma ou outra metamorfose.
Tudo o que será escrito já foi escrito um dia
e ladrão que rouba a ladrão está perdoado.
A poesia não é o pecado.
Ando sempre com um poema na cabeça.
Não sou bem o autor mas antes que desapareça
despejo-o no blog e assino por cima.
Que diria o Cesário se navegasse até aqui
só para descobrir uns versos com o seu enzima?
Mas, como toda a literatura é imitação
desde que Homero inventou a redacção,
acho que nem Borges me condenaria a rapina.
Este escrito por exemplo, não é meu:
o Cesariny concerteza que já o escreveu.
Ando sempre, sempre com um poema na tola.
Como um mendigo que rouba para não ter que pedir esmola
faço o corso sem musas na proa.
E geralmente é qualquer coisa do Pessoa.
quarta-feira, dezembro 10, 2008
segunda-feira, dezembro 01, 2008
domingo, novembro 30, 2008
A gargalhada que veio do frio.
Feliz ou infelizmente ainda há notícias que me levantam gargalhadas. A paupérrima Revista do Expresso traz um artigo esta semana a dizer que afinal essa coisa do Aquecimento Global era treta porque nestes últimos dois ou três anos tem feito um briol do escafandro em Portugal, na América e na Austrália. O que temos agora é Arrefecimento Global, isso sim. É exactamente a mesma lógica de quarta classe, a mesma ciência de mercearia, a mesma verdade pobrezinha do telejornal ignorante de sempre, mas ao contrário! Houve uma manhã em que o chefe de redacção não trouxe o sobretudo e constipou-se. Por isso, as alterações climáticas decorrentes do efeito de estufa e dessas coisas todas cómicas que faziam aquecer a temperatura do planeta e que eram uma loucura infernal, resultam agora numa autêntica era glaciar que é de monta! Brilhante. Estou desconfiado que os mitos ambientalistas ainda me vão dar muitos e muitos motivos de riso.
sexta-feira, novembro 28, 2008
Quem é que havia de ser?
O flagrante amadorismo das forças policiais e militares em Bombaim é risível e assustador. Parece facílimo - e barato - passar 3 dias a matar pessoas desta maneira: recrutam-se uns imbecis miseráveis cujos cérebros foram previamente lavados nas mesquitas europeias, dá-se-lhes umas semanas de treino nuns buracos entre o Afeganistão e o Paquistão, faz-se um elementar reconhecimento do terreno e algum trabalho de pesquisa (até o GooglEarth serve) e desenha-se um plano de ataque que qualquer mercenário sabe de trás para a frente. Armam-se os imbecis até aos dentes e é soltar-lhes a trela numa cidade caótica. Passam a ser muito mais perigosos e bem organizados do que as diversas forças da segurança regimental do Estado Indiano. A incapacidade para responder a este ataque, como a todos os outros do passado recente é sintomática, só por si, da sua autoria. O timing e o conteúdo simbólico, o modus operandi e o critério geo-político apontam claramente para o monstro de milhares de cabeças que é hoje a Al-Quaeda. A Al-Quaeda é taliban, é paquistanesa, é xiita, é palestiniana, é sudanesa, é indiana, é saudita, é iraniana, é indonésia, é bósnia, é basca, é tchetchena; são imãs e aiatolahs, mujahidins e califas, mehdis e al-faruqs, fatahs e hezbollahs; são brigadas e comités, convenções e seitas, exércitos e advogados; são políticos e homens de negócios e mercenários e toda a espécie de bandidos e párias e revolucionários e teólogos e são os filhos deles todos que hão-de rebentar o futuro!
Não percebo o mistério sobre a identidade dos criminosos de Bombaim. Qualquer atentado terrorista de larga escala que possa ocorrer no planeta Terra tem origem directa ou indirecta, ideológica ou militar, operacional ou académica na Al-Quaeda. A pedagogia do terror - que vem dentro de cada atentado - já está a dar resultados. Não é preciso agir sob as ordens de Bin Laden para fazer a coisa. Basta pensar como ele.
quinta-feira, novembro 27, 2008
Elogio do Pelotão de Fuzilamento.
Não quero saber se são 20 gajos, trezentos mil ou quatrocentos milhões. Não quero saber se são julgados em Haia ou torturados em Guantanamo ou empalados nos respectivos buracos de origem. Não me interessa que idade têm, se são brancos ou pretos ou cor-de-rosa, se são pobres ou milionários, se levaram no cu do pai ou foram chupados pela mãe. Estes gajos têm que sair do mundo. Têm que ser despachados, todos. Rapidamente.
Estes filhos de um deus manhoso, estes filhos de uma rameira pandora, estes produtos de uma fé obscura e profundamente, eloquentemente estúpida, têm que ser terminados, esburacados na testa, todos. Rapidamente.
Estes soldadinhos de Alá que entraram hoje, por exemplo, num hospital para desatar a matar quem por ali estivesse, assim, em nome de deus e à toa; estes soldadinhos moldados a partir da merda que o próprio diabo defeca, têm que ser enviados para o inferno, todos. Rapidamente.
E não me venham com éticas de tempo de paz. Não estamos em paz. Enquanto um só e único destes animais Bin, enquanto um singular exemplar destas bestas Laden mantiver qualquer vestígio de um ritmo cardíaco, ninguém está a salvo e a guerra permanecerá na caixa do correio. Na estação de comboios. Na torre de escritórios. No quarto do hotel. No centro comercial do bairro. Na bomba de gasolina da esquina. No jardim onde o cão vai cagar. Convenhamos, há que acabar com estes piratas da baía do absurdo, há que acabar com eles todos e rapidamente.
quarta-feira, novembro 19, 2008
Desculpe, mas posso-Lhe roubar um instante só para responder a este inquérito?
Não é por nada, mas gostava de ter uma conversa com Deus. Gostava de Lhe perguntar se sempre existe o tal bosão de Higgs e gostava que Ele me dissesse se o Mourinho vai ganhar alguma coisa em Itália. Trago sempre comigo uma lista de ignorâncias para matar, caso O encontre no vão de escada ou no café da esquina: porque é que a Portugal Telecom tem o monopólio da televisão por cabo e porque é que eu tenho que pagar o IVA antes de receber o dinheiro da factura. Porque é que é tão difícil viver e porque é que Helena de Tróia caiu de amores por um adolescente cobardolas. O Pessoa sempre morreu virgem? E Beethoven, estava mesmo apaixonado pela irmã? E o Oráculo de Delfos, acertava alguma? E aquele enigmático fundador da civilização Maia, era um astronauta alienígena? Há grandes mistérios que me intrigam e que numa breve entrevista podiam ficar integralmente esclarecidos. Afinal, não se percebe a razão pura de Kant sem ter uma reunião com a Entidade Suprema, não é? Não se percebe nada de nada, para dizer a verdade. E mais a mais, para quem é eterno, o que são cinco minutos de palheta? Sempre ficava a saber quando é que o Benfica vai ganhar a Champions e se a Teoria das Cordas tem pernas para andar. Sempre ficava a conhecer as regras da criação e tudo o mais. Sempre podia dormir descansado, caso Ele me negasse a existência do inferno. Sempre acordava bem disposto, se o Gajo me respondesse a isto só: por que raio é que ando para aqui às voltas tontas, no cilindro de centrifugação da vida?
terça-feira, novembro 18, 2008
segunda-feira, novembro 17, 2008
Não consigo parar de rir.
O Instituto Superior Técnico deu-se ao magnífico trabalho de medir com método científico os consumos e as emissões dos veículos automóveis de propulsão híbrida e chegou à deliciosa e hilariante conclusão que são afinal os carros a diesel que consomem menos energia e emitem menos dióxido de carbono. Acresce que os motores híbridos são apenas muito ligeiramente mais eficazes que os motores a gasolina. Eu peço imensa desculpa, mas cada vez que penso neste estudo do IST, cada vez que penso na malta que, para descansar a consciência ambientalista de trazer por casa, andou para aí a comprar prius e bluemotions e outras caranguejolas assim, dá-me uma vontade de rir que não pára.
A notícia está aqui.
A notícia está aqui.
sexta-feira, novembro 14, 2008
As Benevolentes
O nazi que se abandona enternecido
ao fantasismo de Bach
depois de ter fechado duzentos judeus
no esterco ensanguentado da vala comum,
não me espanta.
O que me espanta, é isto espantar tanta gente.
Uma nação que se une à volta de um logótipo equívoco
e de um louco furioso,
uma nação zangada com o mundo e consciente do mal
que fabrica às carradas como quem fabrica volkswagens,
não me admira.
O que me admira, é acontecer só de vez em quando.
A humanidade é um produto topo de gama da indústria do diabo,
espécie de bactéria projectada para infestar um universo sem deus.
E porque a estética não é uma ética,
é tão natural para o hauptsturmfuhrer
encontrar a consolação nos Concertos de Brandenburgo
como Bach aceitar o cargo de kapellmeister do inferno.
O oficial cínico e laborioso de Jonathan Littell
que foi para a cama com a irmã e leva no cú da soldadesca,
que mata a mãe como quem termina um cigano
e que faz contas de engenheiro e que se dá a trabalhos de arquitecto,
para saber quantos ciganos é que se conseguem terminar por dia,
não me choca nada. É só mais um ponto no desenho do mundo.
ao fantasismo de Bach
depois de ter fechado duzentos judeus
no esterco ensanguentado da vala comum,
não me espanta.
O que me espanta, é isto espantar tanta gente.
Uma nação que se une à volta de um logótipo equívoco
e de um louco furioso,
uma nação zangada com o mundo e consciente do mal
que fabrica às carradas como quem fabrica volkswagens,
não me admira.
O que me admira, é acontecer só de vez em quando.
A humanidade é um produto topo de gama da indústria do diabo,
espécie de bactéria projectada para infestar um universo sem deus.
E porque a estética não é uma ética,
é tão natural para o hauptsturmfuhrer
encontrar a consolação nos Concertos de Brandenburgo
como Bach aceitar o cargo de kapellmeister do inferno.
O oficial cínico e laborioso de Jonathan Littell
que foi para a cama com a irmã e leva no cú da soldadesca,
que mata a mãe como quem termina um cigano
e que faz contas de engenheiro e que se dá a trabalhos de arquitecto,
para saber quantos ciganos é que se conseguem terminar por dia,
não me choca nada. É só mais um ponto no desenho do mundo.
quarta-feira, novembro 12, 2008
Olha, um gémeo do Álvaro de Campos...
Acabo de descobrir, pela mão de David Mourão Ferreira, este sujeito poeta chamado Valery Larbaud (1881-1957) que foi um dandy modernista da geração do Pessoa, mas em francês. E que também tinha um heterónimo, chamado Bartlebooth (cruzamento onomástico entre o Bartleby de Melville e o Barnabooth de Perec em "La Vie mode d'emploi"); e que também tinha pancada por Whitman (não lhe chamou mestre querido mas ainda hoje os franceses lêem o seu Walt pela tradução dele). Reparem bem, geografia à parte, se não podia ter sido o Álvaro de Campos, ele mesmo, a escrever isto que esse tal de Bartlebooth escreveu:
ODE
Empresta-me o teu grande ruído, o teu doce andamento,
O teu nocturno deslizar através da Europa iluminada,
Ó comboio de luxo! e a música tão angustiante
Que sussurra ao longo dos teus corredores de couro dourado,
Enquanto por detrás das portas lacadas, com loquetes de cobre maciço,
Dormem os milionários.
Cantarolando percorro os teus corredores
E sigo a tua corrida até Viena e Budapeste,
Misturando a minha voz às tuas cem mil vozes,
Ó Harmonika-Zug!
Senti pela primeira vez toda a doçura de viver,
Numa cabina do Norte-Expresso, entre Wirballen e Pskow,
Deslizava-se através das pradarias, onde pastores,
Ao pé de grupos de grandes árvores semelhantes a colinas,
Estavam vestidos de sujas e cruas peles de carneiro...
(Oito horas da manhã no Outono, e a belíssima cantora
De olhos violeta cantava na cabina ao lado.)
E vós, grandes espaços através dos quais vi passar a Sibéria e os montes do Sâmnio,
A áspera Castela sem flores, e o mar de Mármara sob uma chuva tépida!
Emprestai-me, ó Oriente-Expresso, Sud-Brenner-Bahn, emprestai-me
Os vossos miraculosos ruídos surdos e
As vossas vibrantes vozes de corda de viola;
Emprestai-me a respiração ligeira e fácil
Das altas e delgadas locomotivas, com movimentos
Tão desembaraçados, as locomotivas dos rápidos
Precedendo sem esforço quatro vagões amarelos com letras de ouro
Nas solidões montanhosas da Sérvia,
E, mais longe, através da Bulgária cheia de rosas...
Ah! é preciso que esses ruídos e esse momento
Entrem no meu poema e digam
Para mim a minha vida indizível, a minha vida
De criança que não quer saber nada, a não ser
Continuar eternamente à espera de coisas vagas.
Ele há coincidências do catano, não há? Qualquer dia pego outra vez no terceiro volume das "Vozes da Poesia Europeia" do David M. F. e ainda encontro um tipo qualquer que escreveu de outra maneira a Tabacaria. Não faltava mais nada.
De flores carnívoras e amores imaginários.
I
Recolhes-te no jardim perdido, Eva, demoras-te na varanda do paraíso à espera do pecado de que Deus fez prosa. Escondes-te nos bastidores do teatro proibido, Julieta, negas ao mundo a tua luz enquanto aguardas pela implosão do drama. E quando sais por fim desse eclipse de astro negro, Ofélia, já o teu poeta encantado jaz derrubado pelo dragão das asas em verso.
II
Começa por crescer em ti um pudor sobrenatural:
queres sair na próxima paragem, parar o mundo ou mudar de canal.
Depois, é a tua inteligência que desconfia:
Fazes da dúvida a dialéctica, adubas a flor da filosofia.
Com o tempo, acabas por ceder ao medo e ao fado:
entregas-te com devoção a um budismo do teu agrado.
III
Dou-te o meu corpo. Leva-o. É o troféu que mereces: leva-o. Leva este corpo exorcista para longe de mim e fiquem lá os dois. Entretidos. Sumam-se e consumam-se nesse inferno de utopias. Dediquem-se ao combate primordial pelo direito ao êxtase. Mas uma vez saciados, não corram de volta à loja. Não acredito na propriedade privada nem aceito devoluções. Prefiro-me sem o escalpe biológico: virgem outra vez. Outra vez inocente.
IV
Para além do umbigo, Cleópatra só desvendou a sua beleza grega perante imperadores romanos. Madalena, mesmo apedrejada, não desnudou o seio e Joana d’Arc nunca mostrou o cú ao inimigo. A Rainha Isabel andou a vida toda com um fecho éclair até ao pescoço (que não a favorecia nada) e Catarina a Grande vestia demasiadas saias para se poder despir convenientemente. Não é por acaso que até a lua, essa velha meretriz, tem um lado escondido. Exibicionistas são as flores. Por isso acalma-te e apaga a luz.
V
Há uma geometria oculta, há uma mecânica quântica, há um Princípio da Incerteza no teu útero de planta carnívora. Há um logaritmo de possibilidades na tua estranha gravidez de equações. Contestas o caos com uma conjectura de números.
VI
Nem a cólera de Aquiles,
nem a astúcia de Ulisses
macularam o teu crescente fértil.
És o jardim das delícias, a ilha dos amores;
és terra santa e colo sagrado.
Vais um dia subir a deusa. E grega.
VII
Espanta-me a tua metafísica de nenúfar. O teu ponto G é um lago Zen, feito perfeito antes mesmo da Criação. O sorriso de Buda abre-se sobre o teu pântano de lilazes e de lótus: deixas de acreditar no tempo e és enfim imortal sobre a decadência celular do cosmos.
Recolhes-te no jardim perdido, Eva, demoras-te na varanda do paraíso à espera do pecado de que Deus fez prosa. Escondes-te nos bastidores do teatro proibido, Julieta, negas ao mundo a tua luz enquanto aguardas pela implosão do drama. E quando sais por fim desse eclipse de astro negro, Ofélia, já o teu poeta encantado jaz derrubado pelo dragão das asas em verso.
II
Começa por crescer em ti um pudor sobrenatural:
queres sair na próxima paragem, parar o mundo ou mudar de canal.
Depois, é a tua inteligência que desconfia:
Fazes da dúvida a dialéctica, adubas a flor da filosofia.
Com o tempo, acabas por ceder ao medo e ao fado:
entregas-te com devoção a um budismo do teu agrado.
III
Dou-te o meu corpo. Leva-o. É o troféu que mereces: leva-o. Leva este corpo exorcista para longe de mim e fiquem lá os dois. Entretidos. Sumam-se e consumam-se nesse inferno de utopias. Dediquem-se ao combate primordial pelo direito ao êxtase. Mas uma vez saciados, não corram de volta à loja. Não acredito na propriedade privada nem aceito devoluções. Prefiro-me sem o escalpe biológico: virgem outra vez. Outra vez inocente.
IV
Para além do umbigo, Cleópatra só desvendou a sua beleza grega perante imperadores romanos. Madalena, mesmo apedrejada, não desnudou o seio e Joana d’Arc nunca mostrou o cú ao inimigo. A Rainha Isabel andou a vida toda com um fecho éclair até ao pescoço (que não a favorecia nada) e Catarina a Grande vestia demasiadas saias para se poder despir convenientemente. Não é por acaso que até a lua, essa velha meretriz, tem um lado escondido. Exibicionistas são as flores. Por isso acalma-te e apaga a luz.
V
Há uma geometria oculta, há uma mecânica quântica, há um Princípio da Incerteza no teu útero de planta carnívora. Há um logaritmo de possibilidades na tua estranha gravidez de equações. Contestas o caos com uma conjectura de números.
VI
Nem a cólera de Aquiles,
nem a astúcia de Ulisses
macularam o teu crescente fértil.
És o jardim das delícias, a ilha dos amores;
és terra santa e colo sagrado.
Vais um dia subir a deusa. E grega.
VII
Espanta-me a tua metafísica de nenúfar. O teu ponto G é um lago Zen, feito perfeito antes mesmo da Criação. O sorriso de Buda abre-se sobre o teu pântano de lilazes e de lótus: deixas de acreditar no tempo e és enfim imortal sobre a decadência celular do cosmos.
sábado, novembro 08, 2008
Elogio da NFL.
Estou completamente vidrado na NFL. A sério que acho o futebol de contacto dos americanos um desporto esteticamente deslumbrante, intenso, complexo, hiper-táctico, hiper-físico, vertiginoso. Uma vez que o quarter back recebe a bolinha, os restantes 21 malucos em campo ficam ligados a uma corrente de voltagem nuclear: atiram-se uns contras os outros em fúria épica, correm que nem doidos na perseguição, escapam-se por embustes de prestidigitador e arrancam a velocidades sónicas; há pés que dançam contra toda a lógica e corpos que se esticam desafiando a gravidade, que se lançam sobre os limites plausíveis da termodinâmca, que se maltratam selvaticamente à revelia do bom senso anatómico.
No meio desta tourada há artistas e operários, velocistas e facínoras, heróis e brutos, génios e carrascos, aristocratas e plebeus, como na vida. O que acontece ao contrário desta é que todos têm consciência do seu papel exacto no jogo e não se metem a fazer aquilo que não sabem. Não há cá petits a marcarem livres directos, nem nunos assiz a distribuirem jogo. Cada um faz o que sabe. As equipas de futebol americano são constituídas por planteis extensíssimos, porque cada partida exige a colocação em jogo de várias equipas especialistas, mas, em princípio, a maior parte dos jogadores não chega a tocar na bolinha. Se um gladiador, que está ali para gladiar, por acaso acaba por ficar com a bola nas mãos, o que faz é correr com ela sobre as jardas até que alguém tenha a decência de levar o sujeito ao nível da relva, altura em que o jogo pára, para que o elíptico objecto seja entregue a quem sabe melhor o que fazer com ele.
Quanto aos artistas, é-lhes reservado o prazer do ataque. O quarter back é o maestro do jogo e está ali para passar a bola ao running back atrás de si ou lançá-la para os wide receivers que no momento tentam desesperadamente ludibriar os seus marcadores directos, umas dezenas de jardas lá à frente. É claro que pode simplesmente ter os tomates para correr ele mesmo com a bolinha por ali fora, embora esta atitude de ninja lhe possa custar a integridade física e é por isso que é rara. A integridade física de um quarter back é algo de muito importante no jogo, porque enquanto o homem está a decidir o que fazer, a maior parte da equipa adversária tenta acabar com a sua posição vertical como se o mundo fosse acabar logo de seguida. É por isso que uma parte importante do jogo se passa no combate corpo a corpo à volta deste género de prima dona. Apesar da defesa estar ali para o proteger, o quarter back nunca tem mais que uns pequeninos segundos para tomar e executar uma decisão, pelo que deve ser um tipo bastante jeitoso de mãos e muito cool under pressure.
Eu gosto especialmente do running back, que é lindo de ver. Sempre que o quarter back tem a brilhante ideia de lhe colocar a bola nas mãozinhas, é vê-lo lançar-se com arrepiante valentia contra a confusão instalada. O objectivo, claro, é passar por entre ela, mas se houver molhada, so be it. Um running back comum faz tudo o que for preciso para ganhar meia jarda; um dos extraordinários pega na bola e faz as 100 jardas de seguida que é quanto mede o terreno de jogo. Corre, finta, dança, empurra, esmurraça, salta por cima, passa por baixo, distribui pontapés e estaladas, enfim, faz pela vida. Digamos que é muito difícil convencer um running back de que é bem pago. E eles são todos milionários.
O wide receiver é o gajo com asas nos pés. É o tipo que depois de correr que nem um louco pelo campo a dentro se vira de repente para trás, como que telecomandado, para receber, com precisão mecanicista e extraterrestre, a bendita bolinha e rumar, se puder, para o touchdown, momento de todas as catarses. Para ser wide receiver na NFL um humano tem que ser ágil como o homem aranha, esquivo como o homem morcego, determinado como o homem da regisconta e principalmente rápido como o homem olímpico: quem não faz os 100 metros abaixo dos dez segundos e cinquenta centésimos não joga na liga.
A NFL é um produto de entertenimento sem paralelo e a liga, muito ao jeito americano, controla tudo de uma forma hiper-profissional e orwelliana. Não há cá meninos a receberem fortunas em Manchester e a namorarem Madrid. Não há cá empresários livres para fazer rodar os jogadores com o olho esperto posto nas comissões sobre as transferências. Nem há cá nunos gomes a ganharem 24 mil contos por mês. Os jogadores são avaliados em função dos seus números (nº de jardas conquistadas, nº de passes completos, nº de derrubes efectuados, nº de touchdowns, nº de pontos marcados, etc. etc. - os americanos contam tudo) e é em função desses números que podem ganhar isto ou aquilo. É claro que mesmo os ordenados dos jogadores que apresentam menos resultados são elevadíssimos, mas há um princípio de mérito que é de razão prática e de que eu gosto.
E gosto, enfim, do aparato cenográfico, dos equipamentos, das transmissões televisivas, dos jornalistas que relatam e analisam e comentam, e dos spots e trailers e sites que vendem o jogo. Gosto desta indústria porque está bem montada, diverte e entusiasma; serve bem o desporto. Ouvir os comentadores da NFL e depois mudar de canal para o Guimarães - Paços de Ferreira que está a dar na Sport TV é como substituir a leitura de Cícero pela prosápia de Santana Lopes.
quarta-feira, novembro 05, 2008
Uma longa série de equívocos.
"All that is human must retrograde if it does not advance."
Edward Gibbon
I - Atrás de mim está a CNN com o matraquear da evidência. Barak Obama é o novo líder do mundo livre. É claro que McCain não perde as eleições por causa da guerra no Iraque (nenhum dos doze Césares perdeu a plebe - ou a vida - por causa do sangue nas fronteiras) mas por vingança do estado económico a que as coisas chegaram. A ironia é violenta. O estado económico a que as coisas chegaram não tem nada de republicano: qualquer pessoa que perceba alguma coisa do que é ser republicano na América sabe que a ideia de "democratizar" a propriedade das empresas, despojando-as de um dono em favor de um colégio de accionistas, é repugnante. Ora se chegámos a este estado económico das coisas foi precisamente porque um colégio de accionistas, que segue a proverbial voracidade selvagem de qualquer grupo de pessoas, objectiva disfuncionalmente o interesse individual, ou seja: exclusivamente o lucro. Não são os gestores que, em última análise, temos de levar ao tribunal da decadente ética ocidental. Estes cumpriram apenas com o que aqueles exigiam e ninguém consegue julgar tanta gente capitalista que é só culpada de ser gente e de querer o que todos queremos e o que todos queremos é mais dinheiro.
II - A actual crise financeira tem origem na falta de liquidez dos mercados ocidentais. Digo por outras palavras: a geografia do dinheiro sofreu e está a sofrer uma alteração nas coordenadas. A massa já não está em Nova Iorque, Londres ou Frankfurt. A massa está em Shangai, Nova Deli, Riade, Dubai, Luanda, S. Paulo, Caracas, Moscovo e outros desaconselháveis buracos da Terra. A responsabilidade desta desgraça cabe em grande parte à forma irresponsável como os estados ocidentais têm encarado a questão energética, deixando-se tomar como reféns por tribos civilizacionalmente antípodas, mas acima de tudo deriva desta ilusão de que todos os povos da planeta podem prosperar como os mais prósperos. Infelizmente, ou nem tanto assim, o dinheiro é como o cobertor da rábula popular. Se estica para um lado, destapa no outro. E a prosperidade como a temos, não chega para todos. E se chegar para os outros, vai faltar para cumprir com o plano de pagamentos do nosso crédito à habitação. É, na verdade, muito simples.
III - Pode ser um banana albino, um charme de menino ou um preto aristocrata, pode ser um gajo numa cadeira de rodas ou o tipo que primeiro carrega no botão nuclear: no que diz respeito ao grande chefe índio da nação americana, desde que seja democrata a Europa gosta dele. Este facto é espantoso porque todas - mas todas - as evidências históricas recomendam para o continente velho, um presidente republicano no novo. A sério que chega a ser de gargalhada. A esquerda europeia (ou seja, a esmagadora maioria dos europeus) deposita todas as balsâmicas esperanças do mundo no Partido Democrata Americano, que, na verdade, está para a Europa como uma brigada de bombeiros irresponsáveis e incapazes está para um incêndio: ou aparecem para atear o fogo ou chegam demasiado tarde para o apagar. Ora, deitemos um olhar sobre os 6 últimos presidentes democratas dos Estados Unidos da América, numa prosaica viagem de 8 décadas:
F. D. Roosevelt - Este carismático "all-of-famer" só concedeu meter-se ao barulho da Segunda Guerra Mundial depois dos Nazis terem tomado por força das armas a Polónia, a Holanda, a Bélgica, a Dinamarca, a Noruega, a França e por sujeição de cobardes, a Itália, a Grécia e toda a Europa oriental. E mesmo assim foi necessária a ignição de uma das mais bem sucedidas, espectaculares e competentes ofensivas da história militar. Não fosse a loucura inspirada da marinha nipónica e os americanos do democrata F. Delano R. chegariam ao outro lado do oceano apenas a tempo de negociar o resgate de alguns judeus famosos e assinar um pacto de paz Atlântica. Com Adolf Hitler.
H. S. Truman - Este sujeito é mesmo um ídolo da esquerda bem pensante e um guardião dos mais altos interesses sociais e pacifistas da Europa. Deuses! Nos seus dois mandatos, Truman teve tempo para inaugurar a era nuclear, o Plano Marshall (segundo os revisionismos históricos da esquerda contemporânea, foi por aqui que o lamentável liberalismo triunfou sobre a Europa), a caça às bruxas e uma guerra nova, na Coreia. Isto para além de ter entregue (em cumplicidade com o seu antecessor) a Europa de leste a Estaline. Um currículo invejável, mesmo se o compararmos a Bush filho.
J. F. Kennedy - Provavelmente o maior mito político da atribulada e sanguinolenta história do Século XX, este bonitinho veio a Berlim dizer que era um berlinense e assim foi acreditado para toda a história universal da infâmia. Descendente e herdeiro de uma linhagem mafiosa no sentido WASP da palavra, Kennedy ia levando o mundo todo com ele para o abismo terminal por duas vezes e pelas duas vezes por causa de Cuba, o que é uma absoluta imbecilidade (é como o Filipe que perde duas vezes em casa contra a Grécia no mesmo Campeonato da Europa). Mais a mais, para salvar a face da crise dos mísseis, comprometeu completamente o equilíbrio estratégico da guerra fria na Europa, retirando as capacidades nucleares na Turquia, como secreta e cobarde moeda de troca para o regresso dos sovietes à soviética ignomínia. Assim sendo, e reduzindo esta paixão guterrista por Berlim ao valor da oratória de casa de banho, gostava que me dissessem porque raio é que ele é tão amado deste lado do mar. É certo que combateu certos vícios sulistas e que traiu a máfia no sentido siciliano da palavra (mais por insolência do irmão), mas o que é que isso tem a ver connosco? Os sicilianos não chateiam para além da recolha do lixo em Nápoles e de dois ou três juízes italianos que agora descansam em paz. E imaginem só como funcionariam hoje, apesar do exemplo de Kennedy, as sociedades europeias se fossem multi-étnicas como a América dos anos 60 era multi-étnica. Ich bin ein berliner. Famous empty words.
L. B. Johnson - Sobre este rapaz, personagem infame da história da América, nem preciso de dizer nada. Gostava só de o ressuscitar para fazer dele companhia única de Francisco Louçã, num quarto minúsculo com vista para a eternidade. Ou melhor ainda, de Joana Pais do Amaral. Boa ideia?
- Um parêntesis cronológico e republicano Quem entretanto acaba por acabar com a vergonha do Vietname não é nenhum democrata, não é nenhum Kennedy, é um republicano de gema e chifrudo chamado Nixon. É só rir.
J. E. Carter - Se há personagem do Partido Democrata que mais defendeu como Presidente a democrata doutrina de que os EUA devem apenas interferir militarmente no palco internacional por motivos de segurança interna (como se isso fosse próprio de uma primeira potência mundial), esse personagem infeliz é Jimmy. O resultado foi a desgraça dos reféns em Teerão e o bem dito triunfo do sindicato dos actores de Hollywood, que acabou por resolver montes de coisas e mudar o curso da história e libertar metade da Europa, mas como o Ronald era um bom e velho republicano caiu logo em desgraça nas praias de Cannes.
W. J. Clinton - Sobre este simpático de Arkansas basta-me escrever uma palavrinha horrivelmente mágica: Balcãs. Quem critica a hoje falecida administração americana por causa da idiotice do Kosovo, devia revisitar a história dos anos 90. Sem que a ONU fosse tida ou achada, a administração democrata meteu os pés pelas mãos numa caminhada macaca sobre os cadáveres de centenas de milhar de pessoas, grande parte mortas pelos tapetes de bombas nada cirúrgicas da força aérea americana. Grande Bill, provedor da dignidade humana, presumível vencedor do prémio nobel da paz, espécie de terapia de mau divã através do qual os europeus pensam que aliviam os males de consciência pesada que julgam ter.
IV - As forças aliadas em presença no Iraque integram 21 nações. Mas pelos vistos, Barak Obama já convenceu a Albânia, a Arménia, a Austrália, o Azerbeijão, a Bosnia-Herzegovina, a Bulgária, a República Checa, a Dinamarca, o El Salvador, a Estónia, a Geórgia, o Cazaquistão, a Letónia, a Lituânia, a Macedónia, a Moldávia, a Mongólia, a Polónia, a Roménia, a Coreia do Sul e o Reino Unido a abandonar o Iraque nos próximos seis meses. Nada mau para um senador, diria Caio Suetónio. Aldrabice eleitoral, digo eu. A ver vamos.
V - Que o império está em decadência, já se tinha percebido. Que se prepara para cair, estamos agora a verificar. Para se provarem as leis de Gibbon, só falta agora uma malária grande em Nova Iorque. Mas o problema não é bem o império que cai a oeste. O problema é o que se levanta a Este. Na Europa a malta parece dar de barato que prefere Bollywood a Hollywood. E é isso que nos vai sair caríssimo.
Edward Gibbon
I - Atrás de mim está a CNN com o matraquear da evidência. Barak Obama é o novo líder do mundo livre. É claro que McCain não perde as eleições por causa da guerra no Iraque (nenhum dos doze Césares perdeu a plebe - ou a vida - por causa do sangue nas fronteiras) mas por vingança do estado económico a que as coisas chegaram. A ironia é violenta. O estado económico a que as coisas chegaram não tem nada de republicano: qualquer pessoa que perceba alguma coisa do que é ser republicano na América sabe que a ideia de "democratizar" a propriedade das empresas, despojando-as de um dono em favor de um colégio de accionistas, é repugnante. Ora se chegámos a este estado económico das coisas foi precisamente porque um colégio de accionistas, que segue a proverbial voracidade selvagem de qualquer grupo de pessoas, objectiva disfuncionalmente o interesse individual, ou seja: exclusivamente o lucro. Não são os gestores que, em última análise, temos de levar ao tribunal da decadente ética ocidental. Estes cumpriram apenas com o que aqueles exigiam e ninguém consegue julgar tanta gente capitalista que é só culpada de ser gente e de querer o que todos queremos e o que todos queremos é mais dinheiro.
II - A actual crise financeira tem origem na falta de liquidez dos mercados ocidentais. Digo por outras palavras: a geografia do dinheiro sofreu e está a sofrer uma alteração nas coordenadas. A massa já não está em Nova Iorque, Londres ou Frankfurt. A massa está em Shangai, Nova Deli, Riade, Dubai, Luanda, S. Paulo, Caracas, Moscovo e outros desaconselháveis buracos da Terra. A responsabilidade desta desgraça cabe em grande parte à forma irresponsável como os estados ocidentais têm encarado a questão energética, deixando-se tomar como reféns por tribos civilizacionalmente antípodas, mas acima de tudo deriva desta ilusão de que todos os povos da planeta podem prosperar como os mais prósperos. Infelizmente, ou nem tanto assim, o dinheiro é como o cobertor da rábula popular. Se estica para um lado, destapa no outro. E a prosperidade como a temos, não chega para todos. E se chegar para os outros, vai faltar para cumprir com o plano de pagamentos do nosso crédito à habitação. É, na verdade, muito simples.
III - Pode ser um banana albino, um charme de menino ou um preto aristocrata, pode ser um gajo numa cadeira de rodas ou o tipo que primeiro carrega no botão nuclear: no que diz respeito ao grande chefe índio da nação americana, desde que seja democrata a Europa gosta dele. Este facto é espantoso porque todas - mas todas - as evidências históricas recomendam para o continente velho, um presidente republicano no novo. A sério que chega a ser de gargalhada. A esquerda europeia (ou seja, a esmagadora maioria dos europeus) deposita todas as balsâmicas esperanças do mundo no Partido Democrata Americano, que, na verdade, está para a Europa como uma brigada de bombeiros irresponsáveis e incapazes está para um incêndio: ou aparecem para atear o fogo ou chegam demasiado tarde para o apagar. Ora, deitemos um olhar sobre os 6 últimos presidentes democratas dos Estados Unidos da América, numa prosaica viagem de 8 décadas:
F. D. Roosevelt - Este carismático "all-of-famer" só concedeu meter-se ao barulho da Segunda Guerra Mundial depois dos Nazis terem tomado por força das armas a Polónia, a Holanda, a Bélgica, a Dinamarca, a Noruega, a França e por sujeição de cobardes, a Itália, a Grécia e toda a Europa oriental. E mesmo assim foi necessária a ignição de uma das mais bem sucedidas, espectaculares e competentes ofensivas da história militar. Não fosse a loucura inspirada da marinha nipónica e os americanos do democrata F. Delano R. chegariam ao outro lado do oceano apenas a tempo de negociar o resgate de alguns judeus famosos e assinar um pacto de paz Atlântica. Com Adolf Hitler.
H. S. Truman - Este sujeito é mesmo um ídolo da esquerda bem pensante e um guardião dos mais altos interesses sociais e pacifistas da Europa. Deuses! Nos seus dois mandatos, Truman teve tempo para inaugurar a era nuclear, o Plano Marshall (segundo os revisionismos históricos da esquerda contemporânea, foi por aqui que o lamentável liberalismo triunfou sobre a Europa), a caça às bruxas e uma guerra nova, na Coreia. Isto para além de ter entregue (em cumplicidade com o seu antecessor) a Europa de leste a Estaline. Um currículo invejável, mesmo se o compararmos a Bush filho.
J. F. Kennedy - Provavelmente o maior mito político da atribulada e sanguinolenta história do Século XX, este bonitinho veio a Berlim dizer que era um berlinense e assim foi acreditado para toda a história universal da infâmia. Descendente e herdeiro de uma linhagem mafiosa no sentido WASP da palavra, Kennedy ia levando o mundo todo com ele para o abismo terminal por duas vezes e pelas duas vezes por causa de Cuba, o que é uma absoluta imbecilidade (é como o Filipe que perde duas vezes em casa contra a Grécia no mesmo Campeonato da Europa). Mais a mais, para salvar a face da crise dos mísseis, comprometeu completamente o equilíbrio estratégico da guerra fria na Europa, retirando as capacidades nucleares na Turquia, como secreta e cobarde moeda de troca para o regresso dos sovietes à soviética ignomínia. Assim sendo, e reduzindo esta paixão guterrista por Berlim ao valor da oratória de casa de banho, gostava que me dissessem porque raio é que ele é tão amado deste lado do mar. É certo que combateu certos vícios sulistas e que traiu a máfia no sentido siciliano da palavra (mais por insolência do irmão), mas o que é que isso tem a ver connosco? Os sicilianos não chateiam para além da recolha do lixo em Nápoles e de dois ou três juízes italianos que agora descansam em paz. E imaginem só como funcionariam hoje, apesar do exemplo de Kennedy, as sociedades europeias se fossem multi-étnicas como a América dos anos 60 era multi-étnica. Ich bin ein berliner. Famous empty words.
L. B. Johnson - Sobre este rapaz, personagem infame da história da América, nem preciso de dizer nada. Gostava só de o ressuscitar para fazer dele companhia única de Francisco Louçã, num quarto minúsculo com vista para a eternidade. Ou melhor ainda, de Joana Pais do Amaral. Boa ideia?
- Um parêntesis cronológico e republicano Quem entretanto acaba por acabar com a vergonha do Vietname não é nenhum democrata, não é nenhum Kennedy, é um republicano de gema e chifrudo chamado Nixon. É só rir.
J. E. Carter - Se há personagem do Partido Democrata que mais defendeu como Presidente a democrata doutrina de que os EUA devem apenas interferir militarmente no palco internacional por motivos de segurança interna (como se isso fosse próprio de uma primeira potência mundial), esse personagem infeliz é Jimmy. O resultado foi a desgraça dos reféns em Teerão e o bem dito triunfo do sindicato dos actores de Hollywood, que acabou por resolver montes de coisas e mudar o curso da história e libertar metade da Europa, mas como o Ronald era um bom e velho republicano caiu logo em desgraça nas praias de Cannes.
W. J. Clinton - Sobre este simpático de Arkansas basta-me escrever uma palavrinha horrivelmente mágica: Balcãs. Quem critica a hoje falecida administração americana por causa da idiotice do Kosovo, devia revisitar a história dos anos 90. Sem que a ONU fosse tida ou achada, a administração democrata meteu os pés pelas mãos numa caminhada macaca sobre os cadáveres de centenas de milhar de pessoas, grande parte mortas pelos tapetes de bombas nada cirúrgicas da força aérea americana. Grande Bill, provedor da dignidade humana, presumível vencedor do prémio nobel da paz, espécie de terapia de mau divã através do qual os europeus pensam que aliviam os males de consciência pesada que julgam ter.
IV - As forças aliadas em presença no Iraque integram 21 nações. Mas pelos vistos, Barak Obama já convenceu a Albânia, a Arménia, a Austrália, o Azerbeijão, a Bosnia-Herzegovina, a Bulgária, a República Checa, a Dinamarca, o El Salvador, a Estónia, a Geórgia, o Cazaquistão, a Letónia, a Lituânia, a Macedónia, a Moldávia, a Mongólia, a Polónia, a Roménia, a Coreia do Sul e o Reino Unido a abandonar o Iraque nos próximos seis meses. Nada mau para um senador, diria Caio Suetónio. Aldrabice eleitoral, digo eu. A ver vamos.
V - Que o império está em decadência, já se tinha percebido. Que se prepara para cair, estamos agora a verificar. Para se provarem as leis de Gibbon, só falta agora uma malária grande em Nova Iorque. Mas o problema não é bem o império que cai a oeste. O problema é o que se levanta a Este. Na Europa a malta parece dar de barato que prefere Bollywood a Hollywood. E é isso que nos vai sair caríssimo.
Sou lúcido, como o Fernandinho.
"Merda, sou lúcido."
Não há nada de tão estúpido como um Dostoievski. A não ser um desgraçado que meta conversa comigo.
Não há situação absolutamente real que mais me aborreça e que mais me repugne que a senhora de idade que se vira para mim no meio da rua como se eu lhe fosse vagamente familiar, como se por momentos a esclerose lhe baixasse os instintos para me dirigir a palavra e comentar a criminalidade comum ou os Prolegómenos de Kant.
Esta gente que não é mendiga a valer, no sentido imediato, que não me dirige o discurso por normais tragédias de materialidade insolúvel, que não está a somar tostões para o cavalo, para a litrada ou para o mcdonalds; que não precisa do meu dinheiro, mas que precisa da minha atenção; esta gente que não está à procura de matar a fome ou o vício ou a loucura, mas que apenas se encontra na vida derradeiramente só, que sobrevive à superfície do planeta num desesperado estado de abandono moral e ético, que não tem um alheio ouvido zero que oiça as suas trivialidades sobre a segurança pública ou o idealismo alemão, esta gente equívoca e atrevida é que me deixa doente. Ponho-me a correr à frente deles como não me vêem a fugir de uma facada no 6 de Maio, onde volta não volta vou comprar 10 euros de ganza, com a naturalidade do turista de centro comercial. Tenho medo e raiva destas pessoas estranhas que decidem falar comigo a despropósito e é sempre a despropósito que um estranho pode tentar uma conversa comigo, que sou alérgico a estranhos, que não sou parvo nem romancista russo, aplicado (e romantismo, sim, mas devagar), que entrego, do bolso onde tenho menos dinheiro, uns desinteressados dinheiros ao pedinte, mas não dou troco nenhum à esmola do conversador.
Ora acontece que cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da baixa do mundo, este homem mal vestido da vida, pedinte de atenção por profissão, que se lhe vê na cara, que simpatiza comigo e eu não simpatizo nada com ele, que acha que tem a liberdade pestilenta de ser cúmplice com um tipo que não conhece de lado nenhum e que me confessa, num gorgolejar de corneta falida: "um calor destes em Novembro!"
"Um calor destes em Novembro!" é tudo o que é preciso para que eu entre em pânico. O que é que eu tenho a ver com a a temperatura e o mês deste gajo? Não quero realmente saber se ele tem frio ou calor ou se vai para uma manifestação em Bruxelas. Não, fodasse, tudo menos querer saber deste telejornal, tudo menos ter razão, tudo menos importar-me com a interpretação climática deste gajo x, tudo menos importar-me com a humanidade, tudo menos ceder ao humanitarismo!
Não gosto de quem não conheço. Cada vez gosto menos de quem não conheço. Quem não conheço é o inimigo dentro de mim e não acredito que seja possível ganhar uma guerra à conversa.
E não me queiram converter a convicção: sou lúcido. Já disse: sou lúcido. Irra.
Não há nada de tão estúpido como um Dostoievski. A não ser um desgraçado que meta conversa comigo.
Não há situação absolutamente real que mais me aborreça e que mais me repugne que a senhora de idade que se vira para mim no meio da rua como se eu lhe fosse vagamente familiar, como se por momentos a esclerose lhe baixasse os instintos para me dirigir a palavra e comentar a criminalidade comum ou os Prolegómenos de Kant.
Esta gente que não é mendiga a valer, no sentido imediato, que não me dirige o discurso por normais tragédias de materialidade insolúvel, que não está a somar tostões para o cavalo, para a litrada ou para o mcdonalds; que não precisa do meu dinheiro, mas que precisa da minha atenção; esta gente que não está à procura de matar a fome ou o vício ou a loucura, mas que apenas se encontra na vida derradeiramente só, que sobrevive à superfície do planeta num desesperado estado de abandono moral e ético, que não tem um alheio ouvido zero que oiça as suas trivialidades sobre a segurança pública ou o idealismo alemão, esta gente equívoca e atrevida é que me deixa doente. Ponho-me a correr à frente deles como não me vêem a fugir de uma facada no 6 de Maio, onde volta não volta vou comprar 10 euros de ganza, com a naturalidade do turista de centro comercial. Tenho medo e raiva destas pessoas estranhas que decidem falar comigo a despropósito e é sempre a despropósito que um estranho pode tentar uma conversa comigo, que sou alérgico a estranhos, que não sou parvo nem romancista russo, aplicado (e romantismo, sim, mas devagar), que entrego, do bolso onde tenho menos dinheiro, uns desinteressados dinheiros ao pedinte, mas não dou troco nenhum à esmola do conversador.
Ora acontece que cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da baixa do mundo, este homem mal vestido da vida, pedinte de atenção por profissão, que se lhe vê na cara, que simpatiza comigo e eu não simpatizo nada com ele, que acha que tem a liberdade pestilenta de ser cúmplice com um tipo que não conhece de lado nenhum e que me confessa, num gorgolejar de corneta falida: "um calor destes em Novembro!"
"Um calor destes em Novembro!" é tudo o que é preciso para que eu entre em pânico. O que é que eu tenho a ver com a a temperatura e o mês deste gajo? Não quero realmente saber se ele tem frio ou calor ou se vai para uma manifestação em Bruxelas. Não, fodasse, tudo menos querer saber deste telejornal, tudo menos ter razão, tudo menos importar-me com a interpretação climática deste gajo x, tudo menos importar-me com a humanidade, tudo menos ceder ao humanitarismo!
Não gosto de quem não conheço. Cada vez gosto menos de quem não conheço. Quem não conheço é o inimigo dentro de mim e não acredito que seja possível ganhar uma guerra à conversa.
E não me queiram converter a convicção: sou lúcido. Já disse: sou lúcido. Irra.
Reentrada.
Olá a todos. Regresso com um exemplo feliz da minha infeliz profissão, o que é de duvidável agoiro, mas enfim, segui o danado do chicharro de poetas e políticos até ao fundo da vontade e deu nisto:
Trabalho em publicidade há cerca de 19 anos, ou seja, sou um gajo que já gravou spots de rádio de 20" durante 8 horas de corta aqui na bobine e mistura ali no PA e repete o take acolá e mais 14 takes ainda assim manhosos e um fartote de tecnologia do paleolítico inferior. Sou do tempo (gosto imenso desta expressão) em que o único sistema informático montado numa agência de publicidade servia invariavelmente o departamento financeiro. Sou do tempo (maravilha de meia frase) das repromasters e das fontes de letra em calquitos Mecanorma, e das maquetes feitas à pata literalmente à pata e lambidas pela língua literalmente lambidas e de ninguém conseguir respirar nos ateliers por causa do aerógrafo e dos ilustradores passarem metade do tempo das suas vidas a recortarem máscaras para a aerografia e dos copywriters confiarem com relutância ignorante os manuscritos a muito competentes dactilógrafas (palavra linda em vias de extinção), ou pior ainda dactilografarem os textos eles mesmos (eu mesmo!) com mil pragas de correctores disfuncionais e duas mil e trinta gralhas e ausências várias de senso comum na prosa comercial. Sou do tempo (estas palavras sorriem) em que uma arte final era um objecto físico, concreto, perfeito. Sou muito antigo nesta profissão adolescente, mas numa coisa sempre fui coerente e esta coisa sempre me fez uma confusão dos diabos: porque raio é que obrigavam a malta a criar jingles dissonantes e bandas sonoras chorosas e sonoplastias da maria cachucha, quando podíamos simplesmente meter no comercial uma malha rock qualquer, que estivesse a dar na altura? Em vez de pagar a músicos que têm que compor jingles para ganhar a vida, porque é que não vamos ao mercado daqueles que não pensaram na música para vender plástico mas para agradar às multidões? Não é para agradar às multidões (leia-se: mercados-alvo) que estamos aqui? Não é para disfarçar o plástico com emoções e estéticas? A publicidade não faz parte da cultura pop, caramba? E não se deve emaranhar nela, por deus? Este é um argumento que parece básico básico básico hoje, mas que era muito complicado complicado complicado de defender no Portugal Marketing de 1990, garanto-vos.
Bom, agora que a história me provou o protesto errante (cago na modéstia porque não é a vaidade que me conduz o post), agora que um gajo escolhe um musiquinha porreira do portfolio do top of the pops e depois é que escreve o comercial, agora que saltam para dentro dos ouvidos bandas magníficas e menos magníficas que foram lançadas por agências de publicidade, agora que as agências de publicidade fazem coisas magníficas e menos magníficas com bandas de primetime, agora que a cultura pop é uma cultura publicista e vice versa, agorinha mesmo que até temos o marketing viral e o mp quarenta mil e três e a falência dos direitos de autor e isso tudo e agora em que tudo isso se confunde e consome num eléctrodo de transcendência epistemológica; agora como nunca eu posso dizer: ainda bem que as coisas já não são como no meu tempo (adoro o som destas três últimas palavras).
Um bom exemplo de como um comercial pode viver completamente à custa de uma música que absolutamente não foi composta para servir qualquer intenção comercial é este que se segue.
Não discuto, claro, a impecável qualidade plástica e simbólica do registo cinematográfico (um clássico da produção americana), mas é a Vashti Bunyan que fica com a grossa fatia do mérito, não é? Pois vos digo que "Train Song", esta mesma melodia com que a Rebook nos introduz a presente época do Futebol Americano, foi escrita e gravada em 1966, por esta mesma menina hippie que se estava de todo nas tintas para quem afinal irá estar no Superbowl de 2009, ritual supremo e divino do império que hoje, dia 4 de Novembro, apresenta formalmente a sua queda. E vale mesmo a pena ouvir a música até ao fim do encanto.
quinta-feira, setembro 11, 2008
quarta-feira, agosto 27, 2008
terça-feira, agosto 19, 2008
Da estupidez humana.
Acabei de ver a Naide Gomes, que é, para todos os efeitos, a melhor atleta mundial de salto em comprimento, falhar a qualificação para a final olímpica de uma maneira completamente imbecil e esta raiva, este nojo, esta naúsea que me assaltou perante o abismo da estupidez, deu-me ganas para vir aqui ao blog vomitar a vergonha de ser:
- Humano;
- Europeu;
- Português;
- Benfiquista.
Como é que, cabimentado dentro destas 4 categorias infames, um gajo consegue sobreviver?
- Humano;
- Europeu;
- Português;
- Benfiquista.
Como é que, cabimentado dentro destas 4 categorias infames, um gajo consegue sobreviver?
terça-feira, agosto 05, 2008
Ilegal alienígena
Estou de fora, sou de nenhures
e nasci em conadunte.
Não dou as mãos a senhoras e senhores
sem que o criado as besunte
em caldo de bagaço.
Já não sou do clube e o partido
está abaixo de ranhoso.
Não sou daqui nem respondo ao pedido
do solidário manhoso,
espécie de palha d'aço.
Tirei a dentadura que me disfarça
o sorriso de cigano,
arrebentei com a danada da mordaça,
não sou daqui, sou marciano
de Shalimar, o palhaço.
Sem passaporte, sem visto de saída
e com uma certeza só:
a água de Marte é um valor de vida
para além da Terra e do pó
e da berraria que faço.
(E se puder passar para o lado de lá, passo).
e nasci em conadunte.
Não dou as mãos a senhoras e senhores
sem que o criado as besunte
em caldo de bagaço.
Já não sou do clube e o partido
está abaixo de ranhoso.
Não sou daqui nem respondo ao pedido
do solidário manhoso,
espécie de palha d'aço.
Tirei a dentadura que me disfarça
o sorriso de cigano,
arrebentei com a danada da mordaça,
não sou daqui, sou marciano
de Shalimar, o palhaço.
Sem passaporte, sem visto de saída
e com uma certeza só:
a água de Marte é um valor de vida
para além da Terra e do pó
e da berraria que faço.
(E se puder passar para o lado de lá, passo).
quinta-feira, julho 31, 2008
Um monstro do sono.
Toda a gente que me conhece sabe que, se há uma danada característica que me distingue dos correntes mortais, é a maneira como durmo. Ou nadinha, ou muitíssimo e geralmente de dia. Não é invulgar que me apanhem no abismo dos dorminhocos profundos por volta das 16h00. Nem anormal que às 9h00 seja tempo de surgir em cena o meu bastante esquizofrénico e exclusivo João Pestana. Talvez por isso, me retrate a minha sobrinha Madalena querida assim desta maneira genial:
No contexto do magnífico boneco e do meu épico-trágico-sonoro abandono ao Senhor Morpheu, trago para aqui um poema que é tão antigo ou mais do que este blog, agora cozinhado numa panela sónica de aço inoxidável, ruído deveras desagradável, mais ou menos como o ressonar que eu não oiço (porque sou eu que ressono), ou a paz que não sinto, como quem entra em coma de absinto. Enfim, e apesar de tudo, uma barulheira enorme:
ODE SOPORÍFERA
Mesmo antes do primeiro bocejo,
vem do inferno o João Pestana
para me dar um beijo.
Traz no hálito o ópio da noite,
esse doce leito em que me deito,
esse incenso maldito que vomito.
E como quem parte rumo ao esquecimento,
durmo o abandono.
Não dou sinais de vida
nem arrais ao pensamento;
apenas ressono.
Mergulho numa tranquila inconsciência sem retorno,
um transe profundo e quieto,
um delírio de silêncios completo:
Morpheu é meu senhor e dono
e eu sou enfim um monstro em coma
no sarcófago do sono.
No contexto do magnífico boneco e do meu épico-trágico-sonoro abandono ao Senhor Morpheu, trago para aqui um poema que é tão antigo ou mais do que este blog, agora cozinhado numa panela sónica de aço inoxidável, ruído deveras desagradável, mais ou menos como o ressonar que eu não oiço (porque sou eu que ressono), ou a paz que não sinto, como quem entra em coma de absinto. Enfim, e apesar de tudo, uma barulheira enorme:
ODE SOPORÍFERA
Mesmo antes do primeiro bocejo,
vem do inferno o João Pestana
para me dar um beijo.
Traz no hálito o ópio da noite,
esse doce leito em que me deito,
esse incenso maldito que vomito.
E como quem parte rumo ao esquecimento,
durmo o abandono.
Não dou sinais de vida
nem arrais ao pensamento;
apenas ressono.
Mergulho numa tranquila inconsciência sem retorno,
um transe profundo e quieto,
um delírio de silêncios completo:
Morpheu é meu senhor e dono
e eu sou enfim um monstro em coma
no sarcófago do sono.
quarta-feira, julho 23, 2008
Outra vez a Volta de sempre.
Estou aqui a olhar para um conjunto de super heróis que pegam numas bicicletas e decidem discordar sobre quem chega primeiro aos Alpes. Vejo montanhas porreiras para alpinistas mas desumanas para quem vai de bicicleta. Vejo que as motas dos repórteres são mais lentas a descer por aquelas montanhas a baixo. Por amor de deus: deixem lá os tipos doparem-se à vontade. Os senhores que expulsam os super heróis da Volta à França por serem os super heróis da Volta à França deviam ir fumar uma ganza. Ou para o inferno. O meu último grande herói é o italiano Ricardo Riccò e quem tira prazer da Volta a França está de certeza de acordo comigo: vitaminado ou não, é bonito de ver. E, por favor, não me venham com a moral da história. Os desportos de alta competição não são, de qualquer forma, desportos. Isso eram coisas de aristocratas ingleses - aborrecidos com a vida. Vão lá perguntar aos clássicos - afinal, eram os sábios - se estavam preocupados com as dopaminas que o tipo da Maratona tomou para correr 42 quilómetros depressinha. Se na altura ele tivesse uma bicicleta e duas gramas de cocaína, teria sido um deus! Poupem-me lá ao puritanismo senão matam-me a corrida. O ano passado, cada infeliz que ganhava uma etapa ia de cana. Este ano, cada maravilha entre cobardes leva um pontapé no rabo. Porque tomaram isto ou aquilo. Ora, considerando que todos os infelizes que se obrigam a fazer a Volta à França não estarão, de todo, no domínio pleno do seu perfeito juízo, e dados os ambiciosos (muito ambiciosos) objectivos a que esta malta é submetida, agradeço que os senhores autoritários da Volta (que também tomam isto e aquilo só para se sentarem nas cadeiras do julgamento) pensem bem no que estão a fazer pela integridade da competição. Porque não é a França que é bonita. A corrida é que é.
domingo, julho 20, 2008
O bom do José Sócrates seria capaz, certamente, de beijar a ponta do pénis de Estaline, se fossem os dois contemporâneos e se o nosso PM objectivasse com isso uma pequenina que fosse vantagem comercial qualquer. Só não digo o mesmo de Hitler porque Sócrates consegue ainda assim ser fiel à sua miserável cartilha ideológica. Lula, Kadhafi, Chavez, Eduardo dos Santos: todos os facínoras da nova esquerda servem em nome dos negócios. Portugal é hoje um país que lava o dinheiro sujo destes bandidos todos. E que mais venham. O PM baixa as calcinhas e sorri em triunfo. É uma vergonha enorme, mas os portugueses, bem vistas as coisas, já estão habituados. E mais vale o dinheirinho que a vergonha na cara, não é?
domingo, julho 13, 2008
O veto da China e da Rússia à resolução do Conselho de Segurança que procurava castigar o inacreditável Mugabwe e mostrar assim que ainda resta um mínimo de decência à comunidade internacional, não surpreende, é verdade, mas é uma humilhação para toda a gente que tem vergonha na cara.
As Nações Unidas são - não me canso de escrever isto - uma das mais inúteis, nefastas, infames e fraudulentas artimanhas da história das organizações. Depois de décadas de cobardia, incapacidade, falabaratismo, despesismo e vilania, este miserável clube sobrevive apenas graças à hipocrisia dos diplomatas e aos ordenados milionários dos burocratas que lá trabalham.
Como é que um país que vai usar os Jogos Olímpicos como produto de cosmética pode ter uma atitude destas e sair ainda assim bem maquilhado, é um mistério para mim. Como é que um país completamente fascista e colaborativamente fascista pode ter assento em qualquer conselho de segurança internacional minimamente civilizado é coisa que me transcende.
Ò grandes senhores da política ocidental: fechem lá essa merda, pá. E com o dinheiro que poupam em cada dia apenas, contratem um atirador profissional que acerte muito simplesmente um tirinho de ouro no pirata do preto.
domingo, julho 06, 2008
Um blog numa frase só.
"Fátima é o nome de uma taberna de Lisboa onde às vezes… eu bebia aguardente."
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
domingo, junho 22, 2008
Sobre a morte certa.
Esta música tem origem num conteúdo lírico que publiquei aqui no blog e que desagradou bastante a algumas pessoas por ser mais ou menos sinistro. Ora, não há nada mais sinistro que a vida, pelo que a morte - neste contexto - mantém um director de marketing extremamente incompetente que não consege capitalizar as reais valias do produto e que deve ser despedido com apropriada celeridade. Atendendo à condição humana, à história das civilizações e ao actual estado do mundo, não se percebe porque é ainda há gente que tem medo de morrer.
Seja como for, e dado o teor gótico da letra (concedo), optei por uma composição musical não redundante, que procura referências no rock independente americano do princípio da década de 90. Espero que vos agrade, gentil plateia.
Vala comum.
Nascem os homens apenas para a decomposição do futuro
e é somente justo que esta espada que seguro
sirva ao meu carrasco de guilhotina.
Tudo está certo neste mundo quando a vida termina
e não há tipo mais porreiro, que o meu amigo coveiro.
E não há tipo mais porreiro, que o meu amigo coveiro.
Enquanto há morte, há esperança - um sonho de redenção;
só faz sentido a vida enquanto dura o ramadão.
Os deuses, graças a deus, também sabem morrer danados,
esquecidos, banhados em sangue e humilhados,
incapazes de sobreviver à criação.
A imortalidade não tem mais que uns dias de duração
e caem que nem folhas como todos os trolhas.
Caem que nem folhas como todos os trolhas.
Ninguém quer viver para sempre, é uma chatice, uma ilusão;
só faz sentido a vida enquanto dura o ramadão.
Cometas, planetas, galáxias verdes e maduras
apodrecem outrossim em quânticas curvaturas.
Quanto mais curioso o telescópio mais defuntas as realidades:
o universo é um belo cemitério de eternidades
em decadência formal, até ao último funeral.
Até ao último funeral.
Enquanto há morte, há esperança - um sonho de redenção;
só faz sentido a vida enquanto dura o ramadão.
Ninguém quer viver para sempre, é uma chatice, uma ilusão;
só faz sentido a vida enquanto dura o ramadão.
E não há tipo mais porreiro, que o meu amigo coveiro.
quinta-feira, junho 19, 2008
Só mais uma pequena certeza absoluta.
Peço desculpa ao horrível futebol dos italianos. Os gregos, senhores, os gregos é que deviam ser condenados à eterna maratona, para que não tivessem tempo nem forças para dar sequer um único que fosse pontapé na desgraçada e infeliz bola, que maltratam como ninguém mais na Europa ousa maltratar.
quarta-feira, junho 18, 2008
Algumas pequenas e absolutas certezas.
A morte. A derrota de Portugal, amanhã, frente à Alemanha. A humilhação inevitável da ciência, face ao carácter incognoscível da realidade. A inexistência de deus. A inexistência do diabo (o mal não triunfa por estados diabólicos de alma, mas por disfunção e estupidez*). A virtude dos inúteis. A ideia de que o império romano se deveu essencialmente ao labor dos seus generais e ao sangue dos seus soldados. A consciência de que os italianos deviam ser proibidos de jogar à bola. A mediocridade de Manuela Ferreira Leite e de 98% das elites nacionais. A vaidade de Manuel alegre. O roubo perpetrado quotidianamente pela Galp. O erro fatal chamado Barak Obhama. A sobrevivência da força imoral dos talibans no Afeganistão e dos radicais islamitas por esse mundo fora. A incrível e impune afirmação do Irão como potência nuclear. A guerra devastadora, global, sem precedentes históricos, que nos espera a curto ou médio prazo. A suave inocência e encantadora rebeldia do meu cão, que me faz feliz. O desespero através dos dias.
*Vide "As Benovolentes" de Jonathan Littell
domingo, junho 08, 2008
A Quântica segundo Alberto Caeiro
Dizem os sábios d'agora que a luz
- A luz do sol que nos convida para o dia,
Que nos aquece concretamente o rosto encarquilhado -
É uma onda e uma partícula ao mesmo tempo
E ao mesmo tempo o fotão, ubíqua obra da imaginação laboratorialista,
Pode estar aqui e ali.
Digo eu: balelas!
Balelas porque a luz que me aquece o rosto
Está aqui e eu sinto-a nas rugas,
Não está, a mesma luz, nas rugas da Maria da Fonte.
E digo eu: Balelas!
Porque saber se a luz é onda ou partícula
Não é tarefa de gente; não faz ninguém feliz
Nem leva a criança embirrenta para a cama
Quando já são horas de terem os pais algum sossego;
Nem é por ser ou não ser ondulatória a energia,
Nem é por ser ou não ser imprevisível a matéria,
Que o castanheiro vai deixar de me oferecer a frescura da sesta,
Ou que os sinos da minha aldeia deixam de cantar o meio dia,
Por muito que me doam as badaladas nas orelhas da alma.
(Se preguiçasse o sacristão, seria eu mais grato a Heisenberg?).
E digo eu: Balelas!
O milho que cresce serenamente nos campos doirados,
Será um dia colhido e dele fará o Tio Joaquim da Felismina
Uma belíssima broa
E não há Princípio da Incerteza que nos valha:
A broa existe e é belíssima e é tudo.
Não sou crente nos conceitos, bastam-me as cousas naturais,
As cousas que observo e cheiro e sinto na pele dos sentidos
São já sublimes e metafísicas o bastante;
Para apreciar o vinho doce da D. Alice da Venda
Não preciso de saber nada sobre a fluidez espontânea do Bosão
E para que me dê prazer imenso a leitura do Cesário,
Não me faz falta nenhuma o conhecimento da exacta posição
Desse enigmático protão que circula na magia negra da órbita atómica
Num dado e misterioso momento cósmogónico.
A ciência é uma religião e a religião cansa-me excessivamente.
- A luz do sol que nos convida para o dia,
Que nos aquece concretamente o rosto encarquilhado -
É uma onda e uma partícula ao mesmo tempo
E ao mesmo tempo o fotão, ubíqua obra da imaginação laboratorialista,
Pode estar aqui e ali.
Digo eu: balelas!
Balelas porque a luz que me aquece o rosto
Está aqui e eu sinto-a nas rugas,
Não está, a mesma luz, nas rugas da Maria da Fonte.
E digo eu: Balelas!
Porque saber se a luz é onda ou partícula
Não é tarefa de gente; não faz ninguém feliz
Nem leva a criança embirrenta para a cama
Quando já são horas de terem os pais algum sossego;
Nem é por ser ou não ser ondulatória a energia,
Nem é por ser ou não ser imprevisível a matéria,
Que o castanheiro vai deixar de me oferecer a frescura da sesta,
Ou que os sinos da minha aldeia deixam de cantar o meio dia,
Por muito que me doam as badaladas nas orelhas da alma.
(Se preguiçasse o sacristão, seria eu mais grato a Heisenberg?).
E digo eu: Balelas!
O milho que cresce serenamente nos campos doirados,
Será um dia colhido e dele fará o Tio Joaquim da Felismina
Uma belíssima broa
E não há Princípio da Incerteza que nos valha:
A broa existe e é belíssima e é tudo.
Não sou crente nos conceitos, bastam-me as cousas naturais,
As cousas que observo e cheiro e sinto na pele dos sentidos
São já sublimes e metafísicas o bastante;
Para apreciar o vinho doce da D. Alice da Venda
Não preciso de saber nada sobre a fluidez espontânea do Bosão
E para que me dê prazer imenso a leitura do Cesário,
Não me faz falta nenhuma o conhecimento da exacta posição
Desse enigmático protão que circula na magia negra da órbita atómica
Num dado e misterioso momento cósmogónico.
A ciência é uma religião e a religião cansa-me excessivamente.
quinta-feira, maio 22, 2008
Morte aos feriados.
Estava eu aqui todo contente, numa unidade hoteleira perdida nos confins do Alentejo, a tentar passar uns dias em paz e sossego, quando chega o feriado (um feriado de utilidade misteriosa e causa incógnita) e com o feriado chega a confusão. Chega a classe média com tatuagens e crianças e roupas de feira e má educação e doenças de pele e automóveis de dez mil contos e o meter de conversa e o fim da tranquilidade. Não há subida das taxas de juro, inflação, recessão, desemprego que convença estas alminhas a ficar em casa; não há desgraça económica que lhes imponha o pudor e o recato. Não há como gente para estragar o ambiente. Enfio-me no quarto e preparo o regresso a Lisboa.
Sobre os preços do petróleo.
I - O falso problema das existências
Ao contrário do que poderás pensar, caro leitor, não há falta de jazidas petrolíferas. O que há é acrescidas dificuldades técnicas (técnicas e não tecnológicas) em chegar lá. Primeiro porque as vastas quantidades de ouro negro que se encontram - inexploradas - no subsolo do planeta, estão localizadas a maiores profundidades, o que encarece o investimento inicial da exploração (embora esse custo, num mercado a funcionar normalmente, incidisse no preço do barril de forma apenas marginal).
Depois porque a praga ambientalista, hoje já institucionalizada pelos estados e pelas grandes corporações, levanta dificuldades legais à exploração na maior parte das zonas do globo onde estas jazidas são mais abundantes (o mesmo acontece com a criação de refinarias que suportem as necessidades do mercado). O problema da inexistência de reservas petrolíferas é, portanto, um falso problema.
II - O problema da produção
Faz a ti mesmo esta pergunta, caro leitor: se em cada ano produzisses dez quilos de batatas e por cada quilo ganhasses dez milhões de dólares, serias facilmente convencido a cultivares vinte quilos de batatas de forma a ganhares cinco milhões de dólares por quilo? Claro que não. Ora o mesmo se passa com os produtores de crude a nível mundial. A OPEP recusa-se naturalmente a aumentar a produção simplesmente porque esse aumento não seria um bom negócio. O actual preço do barril está a enriquecer as elites dos países produtores a níveis absolutamente obscenos e ninguém que esteja a ganhar com a situação vai fazer seja o que for para alterar o status quo.
Quando a OPE atribui a subida dos preços à especulação dos mercados financeiros (que de facto existe) está a manifestar um cinismo recordista: se houvesse mais petróleo no mercado, a especulação diminuiria. Mas se a especulação diminuisse, os produtores ganhariam menos dinheiro. É caso para dizer que é preciso ter lata.
III - O problema político
Acresce que a OPEP é uma organização de bandidos, originária, na maior parte dos casos, de algumas das mais infames e bárbaras nações do planeta. Repara, prezado leitor, na lista dos malfeitores: Angola, Argélia, Líbia, Nigéria, Venezuela, Equador, Indonésia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irão, Iraque, Kuwait e Qatar. Tudo boa gente.
Os preços do petróleo estão a ser usados como uma arma contra o desenvolvimento das sociedades ocidentais e para controlo do poder e da riqueza por parte de oligarquias totalitárias, cujas estruturas regimentais são inspiradas em modelos muito próximos da idade média europeia. Os povos miseráveis destes países, claro, não verão nunca um tostão destas fortunas incalculáveis.
IV - O problema do modelo económico-industrial
É muito bonito e telegénico dizer que é necessário mudar o modelo energético, mas não te deixes enganar pela retórica fala-barateira. A dependência económica do petróleo não é uma teimosia irracional dos grandes capitalistas do ocidente, criminosos ambientais e outras personalidades imaginárias, caras à propaganda dos Blocos de Esquerda europeus.
As chamadas energias renováveis não têm capacidade instalada, nem vão ter nos próximos anos, para fazer face à procura actual e à tendência de aumento exponencial dessa procura. Os biocombustíveis, a serem massificados, elevariam os preços dos cereais para a alimentação a níveis que provocariam fomes inauditas e a "combustão" do hidrogénio, sendo de facto a única alternativa viável, reduziria as indústrias directa e indirectamente ligadas à produção e distribuição de combustíveis à insignificância económica, facto que provocaria certamente uma recessão de proporções nunca antes observadas. Não estou a ver a BP a investir num modelo energético que lhe reduziria as margens de negócio em 90%. O uso do hidrogénio como força energética viável teria assim que ser desenvolvido pelos estados (cenário de pesadelo), porque as empresas existem para enriquecer os seus accionistas. É muito simples.
Isto para não falar que um modelo energético "limpo" traria vagas de desemprego verdadeiramente devastadoras dos tecidos sociais a nível global.
V - Alegremente a caminho da guerra.
A OPEP vai roendo a corda à sua vontade, porque pode, enquanto o ocidente, sofrendo dos seus costumeiros e enjoativos problemas de consciência, paga caro nas estações de serviço e nos consultórios de psicanálise. Isto, claro, até certo ponto. A maior parte das grandes guerras da história universal da batatada começaram por motivos mais comezinhos dos que existem hoje para fazer uma e não é preciso ser um bandarra com doutoramento em Delfos para perceber que, depois de chegarmos aos 200 dólares por barril, as coisas vão começar a ficar feias, com Obama ou sem Obama (já agora: deus nos livre do preto).
Ora, em vez de chegarmos a esse triste climax, talvez fosse esperto que os países compradores de petróleo agissem como clientes em vez de procederem como reféns. Para já, castigando os fornecedores de todas as maneiras possíveis: rompendo com acordos comerciais, ajudas humanitárias (que nunca chegam a quem precisa, de qualquer forma), pressionando diplomaticamente, ameaçando com embargos, cortando investimentos, etc., etc. A União Europeia, por exemplo, poderia muito bem, se fosse uma organização lúcida, criar um mecanismo comum de exploração de novas jazidas. Os americanos poderiam simplesmente utilizar a CIA para aquilo que a CIA devia servir e acertar um tirinho certeiro em dois ou três tipos exemplares, entre os quais destaco desde já o distinto senhor Chavez que está mesmo a pedi-las.
A coisa só vai ser resolvida com alguma violência e é preferível utilizá-la com destreza cirúrgica do que depois ter que recorrer a métodos que saem mais caro em vidas, em recursos e em pachorra.
VI - O problema português
Em Portugal o problema, por enquanto, é essencialmente fiscal, como aliás todos os grandes problemas económicos nacionais o são. Os sucessivos e desgraçados governos que temos tido, têm usado o petróleo como um instrumento de receita fiscal por excelência e agora pouco se pode fazer, a não ser que se desista do controlo das contas públicas, o que também seria mais ou menos calamitoso. Uma coisa é certa: não é a pagar 300 paus por um litro de gasóleo que a economia vai crescer. E se tudo o que Sócrates pode fazer é subsidiar os passes sociais (porque valem votos, claro está), estamos todos bem sodomizados.
terça-feira, maio 20, 2008
Estacionário.
Não ter nada que fazer, coisa rara e preciosa. Prémio dos deuses. Terra prometida.
Ficar a ouvir os pássaros e fazer o possível por descobrir um quantum de silêncio na tagarelice alada da planície.
Sentir o tempo, espesso, a escorrer por entre os dedos da alma e isso valer por uma década de cansaços.
Imobilizar o cérebro, desconectar os neurónios toxicodependentes da química do pensamento e libertar-me da consciência dos afazeres. O único afazer efectivo é o de suspender efectivamente a vida.
Não ter nada que fazer, ser livre da dinâmica dos deveres! Ser ignorante da entropia das obrigações! Estar à parte da azáfama dos imperativos, das premências, das necessidades, das solicitações. Ser supra numerário, marginal de taberna, desempregado, desperdiçado, inútil! Não há estética para além da estática nem ética que desvalorize a inutilidade. O que de melhor podemos fazer pelo mundo é absolutamente nada.
Não ter nada que fazer, quimera de príncipes! Ter vagar para atingir o nirvana da produção zero, consumindo apenas algum oxigénio, libertando somente um poucochinho de carbono - ser verdadeiramente ambientalista, ambientalista a doer como só um cadáver pode ser, isto é: no sentido translato. Ah, não me venham com encomendas, tarefas, desafios, procissões, campanhas, contratos, avenças, promessas para o futuro! O futuro que se dane, o futuro pode ir rebentar de infernos para o século quarenta e três, quero lá saber. Sim, quero lá saber! Não tenho filhos nem esperança. Não sonho acordado nem tenho tempo para aspirações de conselho ecuménico. Se o sol se apagar amanhã, dormirei mesmo assim virado para o meu melhor lado, quieto, calado, ressonando talvez uma oração ao altar sagrado da futilidade da vida. Se o petróleo subir aos 150 dólares, hei-de fazer mais ou menos os mesmos quilómetros curtos que me separam de lado nenhum. É verdade: não quero ir a lado nenhum em especial.
Ah, não ter nada que fazer! E voltar a lembrar-me de mim.
Ficar a ouvir os pássaros e fazer o possível por descobrir um quantum de silêncio na tagarelice alada da planície.
Sentir o tempo, espesso, a escorrer por entre os dedos da alma e isso valer por uma década de cansaços.
Imobilizar o cérebro, desconectar os neurónios toxicodependentes da química do pensamento e libertar-me da consciência dos afazeres. O único afazer efectivo é o de suspender efectivamente a vida.
Não ter nada que fazer, ser livre da dinâmica dos deveres! Ser ignorante da entropia das obrigações! Estar à parte da azáfama dos imperativos, das premências, das necessidades, das solicitações. Ser supra numerário, marginal de taberna, desempregado, desperdiçado, inútil! Não há estética para além da estática nem ética que desvalorize a inutilidade. O que de melhor podemos fazer pelo mundo é absolutamente nada.
Não ter nada que fazer, quimera de príncipes! Ter vagar para atingir o nirvana da produção zero, consumindo apenas algum oxigénio, libertando somente um poucochinho de carbono - ser verdadeiramente ambientalista, ambientalista a doer como só um cadáver pode ser, isto é: no sentido translato. Ah, não me venham com encomendas, tarefas, desafios, procissões, campanhas, contratos, avenças, promessas para o futuro! O futuro que se dane, o futuro pode ir rebentar de infernos para o século quarenta e três, quero lá saber. Sim, quero lá saber! Não tenho filhos nem esperança. Não sonho acordado nem tenho tempo para aspirações de conselho ecuménico. Se o sol se apagar amanhã, dormirei mesmo assim virado para o meu melhor lado, quieto, calado, ressonando talvez uma oração ao altar sagrado da futilidade da vida. Se o petróleo subir aos 150 dólares, hei-de fazer mais ou menos os mesmos quilómetros curtos que me separam de lado nenhum. É verdade: não quero ir a lado nenhum em especial.
Ah, não ter nada que fazer! E voltar a lembrar-me de mim.
segunda-feira, maio 19, 2008
Problema.
O recorde do mundo da corrida dos 100 metros baixou, num século, cerca de 1 segundo. Daqui a dez séculos, quanto tempo levará o recordista da especialidade a correr esta distância?
Uma criança de 7 anos sabe a resposta. O matemático profissional não faz a mais pequena ideia. Pois não?
Uma criança de 7 anos sabe a resposta. O matemático profissional não faz a mais pequena ideia. Pois não?
sexta-feira, abril 18, 2008
"A actividade social chamada comércio, por mal vista que esteja hoje pelos teoristas das sociedades impossíveis, é contudo um dos dois distintivos das sociedades chamadas civilizadas. O outro característico distintivo é o que se denomina cultura. Entre o comércio e a cultura houve sempre uma relação íntima, ainda não bem explicada, mas observada por muitos. É, com efeito, notável que as sociedades que mais proeminentemente se destacaram na criação de valores culturais são as que mais proeminentemente se destacaram no exercício assíduo do comércio. Comercial, eminentemente comercial, foi Florença. Comercial, eminentemente comercial, foi Florença.
A relação entre os dois fenómenos é ao mesmo tempo de paralelismo e de causa-e-efeito. Toda a vida é essencialmente relação, e a vida social, portanto, é essencialmente relação entre indivíduos, quando simples vida social; e entre povos, quando vida civilizacional. Ora, como os fenómenos da vida superior são de duas ordens - materiais e mentais -, devem ser materiais e mentais os fenómenos da vida superior civilizacional; e, como a vida é essencialmente relação, esses fenómenos devem ser de relação. Como o comércio é, por sua natureza, uma entrepenetração económica das sociedades, é no comércio que as relações materiais entre as sociedades atingem o seu máximo; e como a cultura é uma entrepenetração artística filosófica das sociedades, é na cultura que as relações mentais entre os povos conseguem o seu auge. Segue que uma sociedade com um alto grau de desenvolvimento material e mental e, portanto com um alto desenvolvimento da vida de relação, forçosamente será altamente comercial e altamente cultural, paralelamente.
(...) Mas entre os dois fenómenos - comércio e cultura - há, també,, uma relação de causa-e-efeito. A cultura ao aperfeiçoar-se, tende para a universalidade, isto é, para não excluir da curiosidade elemento algum estranho. Quanto mais fácil for o contacto com elementos estranhos, tanto mais essa curiosidade se animará, e a cultura permanecerá viva. Ora como o fenómeno material precede sempre o fenómeno mental, o meio mais seguro de se formarem contactos mentais é terem-se formado contactos materiais; e, como a cultura exige necessariamente um contacto demorado e pacífico, o contacto material, que a estimule, terá que ser demorado e pacífico - e é isto mesmo que, em contraposição à guerra, distingue a actividade social chamada comércio."
"A Essência do Comércio e Outros Textos de Teoria Económica", de Fernando Pessoa | Editorial Nova Ática
A relação entre os dois fenómenos é ao mesmo tempo de paralelismo e de causa-e-efeito. Toda a vida é essencialmente relação, e a vida social, portanto, é essencialmente relação entre indivíduos, quando simples vida social; e entre povos, quando vida civilizacional. Ora, como os fenómenos da vida superior são de duas ordens - materiais e mentais -, devem ser materiais e mentais os fenómenos da vida superior civilizacional; e, como a vida é essencialmente relação, esses fenómenos devem ser de relação. Como o comércio é, por sua natureza, uma entrepenetração económica das sociedades, é no comércio que as relações materiais entre as sociedades atingem o seu máximo; e como a cultura é uma entrepenetração artística filosófica das sociedades, é na cultura que as relações mentais entre os povos conseguem o seu auge. Segue que uma sociedade com um alto grau de desenvolvimento material e mental e, portanto com um alto desenvolvimento da vida de relação, forçosamente será altamente comercial e altamente cultural, paralelamente.
(...) Mas entre os dois fenómenos - comércio e cultura - há, també,, uma relação de causa-e-efeito. A cultura ao aperfeiçoar-se, tende para a universalidade, isto é, para não excluir da curiosidade elemento algum estranho. Quanto mais fácil for o contacto com elementos estranhos, tanto mais essa curiosidade se animará, e a cultura permanecerá viva. Ora como o fenómeno material precede sempre o fenómeno mental, o meio mais seguro de se formarem contactos mentais é terem-se formado contactos materiais; e, como a cultura exige necessariamente um contacto demorado e pacífico, o contacto material, que a estimule, terá que ser demorado e pacífico - e é isto mesmo que, em contraposição à guerra, distingue a actividade social chamada comércio."
"A Essência do Comércio e Outros Textos de Teoria Económica", de Fernando Pessoa | Editorial Nova Ática
sábado, abril 12, 2008
Esses deprimentes e aborrecidos lamentos têm mesmo que acabar.
Esta é a hora do grande bardo. Direitinho das ruelas de Stratford-upon-Avon para a avenida da eternidade, o falecido senhor Shakespeare rebentou com a escala da glória e estes versos, retirados de "Much Ado about Nothing", são dos meus preferidos, não só porque me agrada o tom paternalista e reaccionário, mas também porque é um texto que tem muita música pop lá dentro. Senão reparem:
Sigh no more, ladies, sigh nor more;
Men were deceivers ever;
One foot in sea and one on shore,
To one thing constant never;
Then sigh not so,
But let them go,
And be you blithe and bonny;
Converting all your sounds of woe
Into. Hey nonny, nonny.
Sing no more ditties, sing no mo,
Or dumps so dull and heavy;
The fraud of men was ever so,
Since summer first was leavy.
Then sigh not so,
But let them go,
And be you blithe and bonny,
Converting all your sounds of woe
Into. Hey, nonny, nonny.
Quando comecei a brincar com o Garage Band, veio-me à ideia criar um tema que acompanhasse estas sábias palavras, mas numa versão em Português. Trata-se, repito, de uma versão e não de uma tradução, tarefa que transcende largamente as minhas capacidades.
Não, senhoras, não suspirem mais;
Os homens sempre foram diletantes;
Um pé no mar, outro no cais,
Nunca por coisa alguma constantes.
Chega enfim de suspirar,
É deixá-los andar
E manter a graça no entretém;
Convertendo os vossos sons de pasmar
Num sim querido, tudo bem.
Nem mais cantem esse lamento;
Tão deprimente e aborrecido;
O homem sempre foi fraudulento
Desde que o Verão primou florido.
Chega enfim de suspirar,
É deixá-los andar
E aproveitar o vai e vem;
Convertendo esses sons de arrepiar
Num sim querido, tudo bem.
Por fim, o tema musical para a versão em português surgiu quando consegui meter mão nuns loops porreirinhos de cravo, que, aqui entre nós, era o que a coisa estava mesmo a pedir. Lamento, mas teve que entrar a cana rachada outra vez.
Espero que me compreendam a paixão pelo velho William e já agora, que não sejam sensíveis à ousadia.
quinta-feira, abril 10, 2008
Quadratura do Círculo (fim da terceira época).
Quem não viu hoje, perdeu um dos mais bonitos momentos de televisão - e de verdade - da história contemporânea de Portugal.
Do tempo perdido.
Tenho andado para aqui metido comigo e com os afazeres da escravidão que é a vida e infectado de infernos profissionais variadíssimos (o Diabo é prolixo de passatempos) e aflito em azáfamas múltiplas e, de todo em todo, inerte.
Tenho andado para aqui metido em enredos e labores e lavores e merdinhas que não interessam para nada, senão para castigar a paciência e tudo porque decidi que não podia continuar a trabalhar sózinho quando o que devo sempre fazer, para sanidade minha e do mundo do trabalho, é precisamente continuar aqui enfiado em casa a esgalhar comunicação a solo para clientes felizes. Não consigo ter clientes infelizes, por muito que isso doa à minha conta bancária. E não consigo aturar já pecadilhos que eu próprio cometi. Gostava que a geração abaixo fosse um bocadinho mais original nos desaires e um pouco menos efusiva nos sucessos. Até porque hoje em dia, em Portugal, ninguém é realmente bem sucedido. Tenho andado para aqui metido em porradas com gente que não sabe dar porrada nem levar porrada (o que é grave) porque é gente mais nova, que, basicamente, se está a cagar no assunto, seja ele qual for, e com toda a razão.
Tenho andado para aqui metido comigo e com o Proust, que é um frívolo filho da puta (180 páginas para o primeiro salão nos Guermantes é obra) e que cada vez me dá mais prazer. Prazer sexual, prazer religioso, prazer estético, prazer, prazer, prazer. Quanto mais chego ao fim do Tempo Perdido, mais recordo o antigo fracasso moderno de Sartre. Querendo virar Proust de pernas para o ar sem ter a necessária elegância e desprovido de despreocupação moral, o tristemente célebre estrábico mais não fez que enjoar o público para toda a eternidade (que é dele, sim senhor). A Náusea devia fazer o pino para ser outra vez literatura.
Tenho andado para aqui razoavelmente insatisfeito comigo por causa dos outros o que não é conveniente para mim nem para os outros e estou lentamente a tranformar-me num apetitoso exemplo clínico do meu filósofo favorito. Ao contrário do que nos lembra Max Stirner, esqueço-me frequentemente que só sou dono de mim e que ninguém mais é de mim dono e às vezes dá-me um vontade assassina de desistir de ser preocupado.
Tenho andado para aqui resignado até para com certos comentários que ainda me vão deixando neste blog crepuscular, comentários sobranceiros que me ensinam que a wikipedia não é um enciclopédia, que me ensinam a ética do link (maravilhoso princípio que falhou à razão pura de Kant) como se eu desconhecesse o científico maneirismo iluminista, como se eu andasse para aí a baixar direitos de autor, como se eu não tivesse a quarta classe que tive - não a do meu pai, que era para doutores - mas a minha e como se eu não tivesse ido à escola mais do que isso nem soubesse nada de nada. Estes meus parceiros de blogosfera dão-se ao trabalho de visitar e comentar um blog que é escrito pelo mais ignorante dos ingénuos do universo dos simples de espírito. Bravo, bravo e os meus agradecimentos pelo fornecimento da electricidade espiritual de que tanto pareço carecer.
Tenho andado para aqui metido em irritações e nevralgias por causa de pivots de telejornal, chefes de redacção, opinion makers, think tank boys, fiscalistas, constitucionalistas, grevistas, criativistas, filipe vieiristas e outros filhos do grande esgoto da infâmia como os senhores da OPEP, os párocos de Barak Obama, os xiitas do quarto mundo ou os homens que engravidam porque já foram mulheres um dia. Os homens que engravidam porque já foram mulheres um dia são obscenos como a ausência de Homero.
Tenho andado para aqui metido em silêncio no buraco dos dias e tenho-me embebedado de vez em quando, o que é bom quando Mozart toca, o que é bera quando oiço Bach.
É claro que escrevi isto só para me aliviar do stress de ter um blog vazio de conteúdo. Quando, caramba, tudo o que precisava de fazer era passar um youtube qualquer com um puto de 16 anos a ir ao cú da stora na sala de convívio do liceu de sempre em Portugal. É o que a televisão faz à hora de jantar, e quem sou eu?
Tenho andado para aqui metido em enredos e labores e lavores e merdinhas que não interessam para nada, senão para castigar a paciência e tudo porque decidi que não podia continuar a trabalhar sózinho quando o que devo sempre fazer, para sanidade minha e do mundo do trabalho, é precisamente continuar aqui enfiado em casa a esgalhar comunicação a solo para clientes felizes. Não consigo ter clientes infelizes, por muito que isso doa à minha conta bancária. E não consigo aturar já pecadilhos que eu próprio cometi. Gostava que a geração abaixo fosse um bocadinho mais original nos desaires e um pouco menos efusiva nos sucessos. Até porque hoje em dia, em Portugal, ninguém é realmente bem sucedido. Tenho andado para aqui metido em porradas com gente que não sabe dar porrada nem levar porrada (o que é grave) porque é gente mais nova, que, basicamente, se está a cagar no assunto, seja ele qual for, e com toda a razão.
Tenho andado para aqui metido comigo e com o Proust, que é um frívolo filho da puta (180 páginas para o primeiro salão nos Guermantes é obra) e que cada vez me dá mais prazer. Prazer sexual, prazer religioso, prazer estético, prazer, prazer, prazer. Quanto mais chego ao fim do Tempo Perdido, mais recordo o antigo fracasso moderno de Sartre. Querendo virar Proust de pernas para o ar sem ter a necessária elegância e desprovido de despreocupação moral, o tristemente célebre estrábico mais não fez que enjoar o público para toda a eternidade (que é dele, sim senhor). A Náusea devia fazer o pino para ser outra vez literatura.
Tenho andado para aqui razoavelmente insatisfeito comigo por causa dos outros o que não é conveniente para mim nem para os outros e estou lentamente a tranformar-me num apetitoso exemplo clínico do meu filósofo favorito. Ao contrário do que nos lembra Max Stirner, esqueço-me frequentemente que só sou dono de mim e que ninguém mais é de mim dono e às vezes dá-me um vontade assassina de desistir de ser preocupado.
Tenho andado para aqui resignado até para com certos comentários que ainda me vão deixando neste blog crepuscular, comentários sobranceiros que me ensinam que a wikipedia não é um enciclopédia, que me ensinam a ética do link (maravilhoso princípio que falhou à razão pura de Kant) como se eu desconhecesse o científico maneirismo iluminista, como se eu andasse para aí a baixar direitos de autor, como se eu não tivesse a quarta classe que tive - não a do meu pai, que era para doutores - mas a minha e como se eu não tivesse ido à escola mais do que isso nem soubesse nada de nada. Estes meus parceiros de blogosfera dão-se ao trabalho de visitar e comentar um blog que é escrito pelo mais ignorante dos ingénuos do universo dos simples de espírito. Bravo, bravo e os meus agradecimentos pelo fornecimento da electricidade espiritual de que tanto pareço carecer.
Tenho andado para aqui metido em irritações e nevralgias por causa de pivots de telejornal, chefes de redacção, opinion makers, think tank boys, fiscalistas, constitucionalistas, grevistas, criativistas, filipe vieiristas e outros filhos do grande esgoto da infâmia como os senhores da OPEP, os párocos de Barak Obama, os xiitas do quarto mundo ou os homens que engravidam porque já foram mulheres um dia. Os homens que engravidam porque já foram mulheres um dia são obscenos como a ausência de Homero.
Tenho andado para aqui metido em silêncio no buraco dos dias e tenho-me embebedado de vez em quando, o que é bom quando Mozart toca, o que é bera quando oiço Bach.
É claro que escrevi isto só para me aliviar do stress de ter um blog vazio de conteúdo. Quando, caramba, tudo o que precisava de fazer era passar um youtube qualquer com um puto de 16 anos a ir ao cú da stora na sala de convívio do liceu de sempre em Portugal. É o que a televisão faz à hora de jantar, e quem sou eu?
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